domingo, 27 de março de 2011

O teatro

Hoje é dia do teatro e do circo e, obviamente por conta do perfil deste blog, me sinto obrigada a escrever sobre o tema, sobre a data, sobre isso.

E talvez começar pela sensação de ser obrigada a escrever seja um importante revelador da minha relação com ele, o teatro. Não me sinto motivada, ou inspirada ou mesmo animada para a tarefa. Mas, repito, me sinto obrigada.

Obrigada, porque esta sensação estranha de distanciamento (não necessariamente o brechtiano) do palco e da platéia não diz respeito a um distanciamento do teatro enquanto universo. Eu tenho uma relação com este mundo e não posso me omitir de falar sobre ele hoje.

Acabo de ser aprovada num concurso público para ser professora de teatro e como se não bastasse, professora de dramaturgia, olha que coisa mais radical. Além do mais faço doutorado em Artes Cênicas e o teatro sempre fez e faz parte da minha vida, mesmo quando pareça que não. Minhas aulas, de qualquer coisa que eu ensine, sempre serão um espetáculo, mesmo que eu tente me controlar, buscando não parecer professor de cursinho, mas não tem jeito, vira e mexe a turma gargalha...

O que me incomoda um pouco na relação recente com o teatro, é que tenho sentido que o uso de seu termo, de sua compreensão ficou restrito demais. Gosto de ir ao teatro, de ver uma boa peça, do ritual de encontrar pessoas conhecidas, de colocar blusa de frio, de fazer silêncio, ficar no escuro, ouvir os sinais, desejar bom espetáculo para quem me acompanha, escolher para onde olhar, acompanhar a entrada de tantos signos, imaginar a sequência, descobrir que me enganei, ser surpreendida, gargalhar, me emocionar, querer estar lá, enfim, todas estas sensações me agradam. Mas, eu ainda insisto que teatro é mais, é muito mais.

Acho que nosso teatro fala para si, acho que os artistas produzem para si mesmos e ali mesmo eles se autoavaliam e quando não, avaliam as peças que vêem do ponto de vista de como eles teriam feito. Acho que ficou um mundo pequeno demais, quando a ideia é ampliar o mundo, seu tamanho, sua dimensão, suas possibilidades. E todo mundo já sabe o que eu acho da velha ladainha de que o público é que é o vilão...

Mas, eu não estou falando mal do teatro no dia do danado. Não!!! Pelo contrário. Eu acho que o teatro é maior do que estamos fazendo. Quando vou pensar num projeto que desejo realizar sempre me pergunto se não estaria fazendo mais do mesmo. Refazendo aquilo que tanto critico. Mas, me dou conta de que ainda não sei o que é este teatro que imagino e desejo e preciso. Ainda não sei fazê-lo e nem o visualizo. Só sei que ele é bem diferente do que tenho visto.

Claro que muitas produções e estilos podem se aproximar do que busco. Teatro de Rua, Teatro Esporte, Teatro Oficina, Paixão de Cristo em Nova Jerusalém, mas penso que é mais do que uma questão de estilo, é um questão vital, conceitual, espinha-dorsal (gostei dessa rima!).

Quero, neste 27 de março, celebrar o teatro que existe nos palcos e para além deles. Não é só dizer que a vida é uma peça de teatro, ou que representamos o dia todo, nada disso.

É dizer da festa, do jogo, do teatro feito mesmo para alguém olhar, mas que também existe para ser encontro, diálogo, comunhão.

Quero celebrar o teatro que há no futebol, nos desfiles de moda, nas procissões, no carnaval, nas guerras de espada.

Se o teatro não couber mais (e de novo, posto que já não coube) em cima de um palco, que estejamos abertos a que ele se faça através de nós.

Que estejamos abertos a reconhecê-lo, posto que ele não morre, não pára, não se esconde e nem se exibe.

Ele está aí. Basta olharmos e admirarmos. Basta deixarmos que ele nos faça enquanto o fazemos, pois eu tenho plena certeza de que ele me constrói mais, muito mais, infinitamente mais do que eu o realizo.

FELIZ DIA DO TEATRO!!!



.

sábado, 12 de março de 2011

BELEZAS INUSITADAS - 2011

Gentes.

Saiu a nova edição da Revista Beleza Bahia, para a qual eu tenho o prazer de escrever duas colunas. Uma das colunas é Futebol  e o texto está agora disponível em http://www.futeboldeartista.blogspot.com/.

O texto abaixo é da coluna Belezas Inusitadas. Quem se interessar em conhecer a revista, pode acessar o link: http://www.belezabahia.com.br/site_antigo/web/revista/index.html. Ainda não tem a edição nova (com Cláudia Leite na capa) mas em breve, com certeza estará. Você pode conferir as outras edições. Chega de blablabla. Vamos ao texto:

 

ESTRADAS CHEIAS DE GENTE – CORAÇÕES REPLETOS DE ESPERANÇA

 E eis que chega o tão esperado 2011. E começo de ano é sempre uma boa oportunidade de iniciarmos novos ciclos, revermos algumas posições, fazermos aquelas análises de nossas vidas e planos para o futuro. No final do ano passado, nossas ruas se encheram de consumidores que precisavam ir às compras por uma série de motivos: roupas novas, lembrancinhas para as incontáveis confraternizações com os infalíveis amigos ‘secretos’ e ‘sacanas’. Muitos foram às lojas de material de construção e lojas de decoração para dar aquele trato na casa, para receber parentes e amigos durante o Natal ou mesmo durante as férias. No verão, quem mora em Salvador quase que inevitavelmente recebe turistas de toda parte do país, se não de fora. Parentes e amigos fazem de nossa casa, uma verdadeira pensão até o fim do Carnaval. E por mais que a gente reclame, isso nos enche de alegria e ainda que todo ano a gente jure que não vai mais receber ninguém em casa, olha nós aqui fazendo tudo de novo.
E já que fomos às ruas, por que não estendermos nossa saidinha?
Os caminhos que nos levam e trazem – rodovias, mares e céus – enchem-se de pessoas interessadas em encontrar novos e velhos lugares, rever amigos, parentes ou mesmo conhecer novos destinos. A Bahia e outros estados do nosso querido Nordeste realizam este êxodo temporário duas vezes no ano: nas festas juninas e nas decembrinas, se me permitem o termo estranho.
Mas a nossa coluna trata de belezas inusitadas e o que pode haver de belo em estradas cheias, viagens alongadas, embarcações super-lotadas, aeroportos entupidos de vítimas de atrasos e cancelamentos? O que pode haver de belo numa tarde de sol a um palmo de nossas cabeças, em ruas cheias e barulhentas, musiquinhas de pisca-pisca, ambulantes gritando suas promoções?
Nem desconfiam?
Pois para mim, otimista incorrigível, tudo isso traz uma beleza inquestionável: estamos todos juntos. Fazemos coisas muito parecidas, porque somos uma mesma raça, uma raça-humana que compartilha dos mesmos rituais, das mesmas esperanças, dos mesmos costumes. Quando estamos assim, exageradamente unidos, sentimos uma espécie de agonia, de cansaço, mas talvez sem nos darmos conta, nos alimentamos de uma coletividade, de um senso de irmandade do qual sentimos muita falta quando estamos sozinhos. Quem mora numa terra estranha à sua, sabe a falta que faz a prática de costumes locais e a partilha de comportamentos, hábitos, horários. É quando nos acomete o Banzo, a doença da tristeza, da saudade e da solidão.
Os shoppings e as avenidas lotados nos dizem que somos irmãos. Ainda que não cumprimentemos uma só pessoa, sentimos em algum momento que não estamos sós e que estas datas de final e começo de ano, nos unem e nos fortalecem. Ainda que os costumes capitalistas incomodem alguns nessa época do ano, não podemos negar que estes costumes estão repletos de nós, de nossos hábitos e necessidades. O mercado aproveita-se dessa nossa mania de gostar do outro (porque o outro também sou eu), e lucra com a troca de presentes, mas não é ele quem nos guia. Penso que trocar presentes diz mais de nossa capacidade de agradar ao outro do que da nossa vontade de gastar dinheiro. Posso estar errada, mas gosto de pensar que somos maiores do que o monstro do capitalismo – que inclusive foi criado por nós!
E as estradas? Lotadas de carros de passeio e ônibus para todas as classes sociais, elas nos levam aos mais diversos lugares, estejam eles no nosso passado, presente ou futuro. A saída de Salvador, se noite, é cortada por duas serpentes que andam paralelas: uma amarelada e outra vermelha. São os faróis daqueles que vêm, mirando os faróis daqueles que vão. E que bela imagem se tem de um irritante engarrafamento.
Boa parte das estradas da Bahia, geralmente repletas de vazio e seca, enche-se do colorido dos carros e do burburinho de seus ocupantes. Os moradores de beira da estrada vendem suas obras de arte, seus utensílios de barro e palha, suas comidinhas e petiscos típicos do lugar, água, cervejinha e refrigerante. E de repente, a sensação que temos é que estamos em plena Idade Média.
O vai e vem do Ferry-Boat lotados de gente, ventiladores, colchões, gatos e cachorros, mistura gente pobre e gente rica que precisa usar este transporte democrático. Tem para os mais ricos, que vão de hora marcada, que embarcam em seus carrões, mas que recebem na cabeça o mesmo sol escaldante que acomete o suburbano portador de uma mala surrada e caixa isopor descascado. E o pagodão come solto. Como um monstro marinho que coloca seus braços sobre o continente, o Ferry-Boat avança sobre São Joaquim e Bom Despacho com suas filas intermináveis. A gente sofre, xinga, reclama, com toda razão do mundo. É preciso mais seriedade e dignidade nesta travessia. Mas, a gente não desiste nunca. A gente sabe que do outro lado – seja ele o de lá ou o de cá – tem um momento de paz e descanso esperando por nós.
E neste vai e vem por terra, céu e mar, a gente vai buscando novas energias para recomeçarmos a jornada. A virada de ano é um momento de re-organizarmos nosso tempo, de garantirmos a nós mesmos uma experiência de renovação, avaliações e mudanças. O sol continua fazendo sempre o mesmo caminho, mas nós, simbolicamente, organizamos suas voltas naquilo que chamamos de tempo, para que possamos viver rituais que nos reconduzam a um equilíbrio indispensável para continuarmos lutando. Quando voltarmos para nosso dia-a-dia – lá pra março – estaremos silenciosamente felizes, refeitos, certos de que teremos sempre ao nosso lado amigos, parentes e esses desconhecidos todos que nos conferem diariamente nossa própria identidade, além dessa certeza estranha de que juntos, e somente juntos, somos humanos, demasiadamente humanos.

quarta-feira, 9 de março de 2011

CINZAS: ENTRE O PRETO E O BRANCO, O CINZA


Que nome estranho de dizer. Cinza, cinza, cinza... eu repito, repito mas não me acostumo.

CINZA.

Tão linda metáfora para o fim da festa das cores,
das luzes,
do fogo.

CINZA.

Como as vistas de quem acorda.

CINZA.

Poeira de quem expirra.

CINZA

Voltar ao pó.

CINZA

Quarenta dias de perdão.

CINZA

Vai chover.

CINZA

Como uma TV em preto-e-branco.

CINZA

Eu cinzo
Tu cinzas
Ele CINZA

CINZA
Cinzento cimento

CINZA
Tinta
Retina
Me sinta

CINZAS
Finjas
Retiras
Inspiras

Sopra, assopra, renova..

Adeus Carnaval!

Para o resto do ano:

CINZAS!



.

segunda-feira, 7 de março de 2011

TRANSMISSÕES AO VIVO - O MAL DO CARNAVAL

Na tradicional feijoada de um amigo meu, rola de acompanharmos parte das trasmissões da festa momesca.

E cheguei à conclusão de algo que nos outros carnavais eu já desconfiava.

As transmissões são o mal do carnaval. Por uma série de motivos, mas eu tenho certeza que só vou lembrar de alguns:

1 - O desfile dos blocos passa a existir em função dos camarotes de transmissão (nem sei se é assim que chama). Além de passarem correndo onde não tem TV, eles ficam quase uma hora na frente das câmeras, ficam só batendo papo, um papo chato, vazio, bobo, coisa de Revista Caras (de novo!!!), um mela-cuecas insuportável. Quem está perto, mas quer pular o carnaval é obrigado a aturar esse chá de comadres.

2 - Os artistas querem por que querem criar um fato interessante. É uma forçãção de barra. Uma encenação mal feita (deviam pelo menos chamar artistas da cena para dirigir as aparições). Hoje Saulo no Campo Grande com seu filhinho batucando nas suas costas foi deprimente. O menino, coitado, visivelmente constrangido, com uma carinha de Justin Bieber, parecia que queria fugir dali. Mas, ia ser uma linda cena. Pensem: "Filho de Saulo Fernandes demonstra seu talento precoce". O menino morrendo de medo do povo no chão... E os encontros entre o cantor de camarote e o do trio?!?  Um saco. Todos querendo entrar para a história. Tudo pode entrar para a história a qualquer momento...

3 - Os câmeras e fotógrafos atrapalham quem quer ver o espetáculo em cima do trio. Ontem mesmo eu tentava ver Ivete e Luan Santana e a única coisa que vi foram os fotógrafos e câmeras. Um porre. É tanto técnico em cima do trio que nem Brecht dá conta de tanto distanciamento. A estrela do trio some para quem está ao vivo, porque o objetivo da encenação é o enquadramento da transmissão. Fica parecendo fotógrafo de formatura que sobe no palco para fotografar as formandas, destruindo a cena e a solenidade, como se eles não existissem. Atenção técnicos, eu tenho uma revelação bombástica pra fazer pra vocês: A gente vê vocês!!! mesmo vocês achando que são invisíveis.

4 - Buscando aparecer na TV os emergentes sem noção que têm algum amigo na produção do bloco, do artista ou da TV entopem o trio de gente e fica aquele cortiço em cima do trio, enfeiando tudo. Tá tão grave que tá feio até na TV, não só pessoalmente.

5 - A transmissão passa a ser o grande foco do desfile do bloco. Eu sei que eu já falei isso, mas eu quero dar um exemplo agora. Na saída das Muquiranas com Psirico aconteceu uma gafe danada. O Mudança do Garcia (terror dos blocos comerciais da segunda-feira porque 'atrapalha' o desfile) estava entrando quando Márcio Vitto solta a bomba: "Não tem porra de Mudança, nehuma, nós vamos entrar!" Ficamos todos passados com tanta sinceridade, assim na TV. Só depois descobrimos o motivo da coragem impressionante. Minutos depois ele diz ao microfone: "Agora, sim, agora estamos ao vivo na TV Bahia, vamos gritar Muquiranas" Perceberam? Ele não  sabia que estava sendo transmitida sua 'gentileza' para com o bloco de protesto. Depois, já ciente da transmissão, e acho que ainda sem saber que boa parte da Bahia tinha visto seu insulto, ele diz calmamente: "Vamos esperar o Mudança do Garcia passar". rará.. O bom do ao vivo é que pega essas contradições, essas coisas da vida real.

Bem assim foi alguma coisa que aconteceu na Barra, que deixou Bel puto da vida em cima do trio e no mesmo instante cortaram a transmissão. Até agora não sei o que foi e provavelmente jamais saberei.

6 - As entrevistas com o povo, os ditos repórteres fazendo as perguntas mais batidas para receber as respostas mais óbvias, ave maria, é muita ofensa à inteligência do povo. "O que você tá achando do carnaval?" "Tá se divertindo?" "- Não, Tô aqui pra pagar meus pecados!!!", meu Deus. E fica aquele povo com uma alegria mentirosa, uma encenação de felicidade, tão desnecessária. Porque estamos, sim -  muito provavelmente - felizes alegres e tal, mas na TV tem uma simulação da felicidade real que é tosca e opaca.

7 - E a tirania da comédia? Tem que ter um personagem engraçado? Os jornalistas têm que ter timing de comédia, tem que ter a melhor tirada, a piada certa? Que cansaço...

Eu acho que de tão batido este modelo vai ter que se repensar. Acho mesmo que se é para ter isso, se não tem mais volta, vai ficar esse show de celebridades, que pelo menos chamasse um diretor de cinema ou teatro ou TV para dirigir as entradas.

FERNANDO GUERREIRO, LUIZ MARFUZ, vocês que são grandes diretores de teatro, que entendem de cena e que têm trânsito entre estas pessoas, proponham uma organização cênica e visual em cima do trio, é um mangue aquilo. Tirem aquele bando de amigo-do-amigo-do-amigo-do-amigo que fica em cima do trio principal, botem todo mundo no carro de apoio, nem que tenha que ter carro de apoio 1 e 2, para ter onde medir a hierarquia. Mas organizem aquele palco que é um lugar tão sagrado e tão lindo. Tirem essa gente que não tem nada a ver com o universo mágico e sagrado do nosso profano carnaval.

Bom, tinha mais algumas coisas, mas eu esqueci e o post já tá grande demais. Um não gosto de post grande, muito menos no carnaval.

Lembrou de algum mal da transmissão ao vivo? Bota aí.

Não deixe de ler os posts sobre carnaval no meu outro blog: http://www.futeboldeartista.blogspot.com/, ou em outros posts logo aqui em baixo. Ainda vale a pena comentar:



.

domingo, 6 de março de 2011

COM A CARA LISINHA, LISINHA... ou CAMAROTE, A ADBUÇÃO DO CARNAVAL!!!


Mão, não é do Bel que eu tô falando... Ainda não.



É do povo que frequenta camarote.

Gente, se eles pudessem eles desceriam de helicóptero dentro do camarote.

O povo que usa camisa de camarote e passa pelos becos da Barra tem a cara mais lisa do que a de Bel depois da Gillete. E olha que eles não devem nem chegar perto dos 2 milhões do cara (da cara do cara, enfim...)

As mulheres andam com verdadeiras pernas de pau. Aqueles saltos imensos com shortinhos brancos, impecáveis e suas escovas inteligentes como as próprias...

Você percebe logo quem é de camarote porque estando nas ruas, ele ainda não chegou na festa. Então é aquela cara de quem tá passando apenas. Mas ao seu redor está nada mais nada menos do que o carnaval de Salvador, a maior festa popular DO PLANETA!!!.

Aí eles olham com aquela cara de "eu sou rico e sou turista, por favor, não mexam comigo" ou "eu não pertenço a este mundo, eu pertenço àquele ali". E eles revelam uma impossibilidade crônica de serem felizes ali, dentro da festa. Parecem que eles foram abduzidos!!! Porque a gente que tá na festa, mesmo quando tá andando pra ir parr o ponto de ônibus, para o estacionamento, a gente tem aquela andadinha de carnaval, que vai na corrente, que dá uma dançadinha, mas o povo de camarote, não. Eles andam literalmente em cima do salto. Insisto, como quem está indo pra festa. Sem se darem conta de que já estão dentro da festa, pobre povo rico. E quando chegam ao camarote: pronto, saíram da festa!!!

Eu tenho uma antipatia crônica por camarote. Primeiro pela questão de distinção social que é gritante. Depois porque ocupa muito espaço na rua. E também porque fez o carnaval ficar passivo. No Campo Grande a gente se desgraçando no chão para ver Ivete e o povo do Camarote parecendo que tava assistindo a um concerto de música clássica. Também não gosto porque acho sem vida, acho uma forçãção (é assim que escreve? Estranho...) de barra (Barra-ondina). É uma coisa Revista Caras, completamente esvaziada de vida e de sentido. Só um detalhe tá: eu nunca fui a um camarote!!! Podem me atirar todas as pedras. Podem até dizer que é inveja de quem vai. Nem ligo!!! Não gosto mesmo. Será que se me derem um convite eu vou? Bom, deixa alguém dar e aí eu falo sobre a experiência (de ter negado ou de ter ido...)

Mas, eu tenho que falar agora da cara lisinha do Bel. Ou não...

Oh, gente, quero falar dos 2 milhões de reais, não.

Quero falar das milhares (ou serão milhões???) de pessoas que vão ao som so Chiclete. Só sabe a magia de ver o Chicelte na rua quem já viu pessoalmente. E quem já viu, inevitavelmente fez parte daquilo. É um momento encantador.

Se ele é um artista de direita, mercenário, burguês, tudo isso perde o sentido quando este homem começa a cantar. Canções bobas até de tão simples, com uma receita que todo mundo já sabe qual é, mas, meu Deus, como aquilo funciona. Como o mundo é mais bonito quando o Chiclete toca e a gente canta junto. O carisma de Bel Marques realmente... Eu fico imaginando o dia em que esse homem morrer. A Bahia pára. E Antônio Carlos Magalhães vai morrer de novo de inveja, por não ter causado a mesma comoção. Mas, peraí, "Vida longa a Bel Marques!!!"

O circuito se transforma. Todo mundo só fala a mesma coisa: "É o Chiclete que vem vindo..." E todos, pobres, ricos, negros, brancos, baianos, turistas, foliões, trabalhadores da rua, (menos quem tá indo pro camarote...) todos nos voltamos para o palco móvel para ver este grande artista passar.

Não tenho muitas considerações a fazer, porque acho que aquilo é exatamente aquilo. Está na dimensão do intraduzível em palavras. É uma energia, quase um transe que nos leva para outro lugar. Um lugar melhor, eu garanto.

E todos os discursos anti-carnaval, anti-axé, anti-alegria só revelam a ignorância crônica de quem nunca viveu tamanha alegria.

É impressionante ver o Chiclete passar. Eu lamento que tenha reduzido sua passagem pelo Campo Grande - que está cada ano mais esvaziado. Lamento porque acho que o público daqui sente muita falta e porque este público vai descer atrás de Bel na Barra e a Barra não vai aguentar... mas, enfim, que repensem suas estratégias de marketing. Não dá mais para fugir do povão, Bel Marques.


Ah, só mais uma coisinha sobre o Chiclete, que eu gostaria de pontuar, é que ele tem uma carreira extremamente sólida trabalhando aqui na Bahia. O foco de sua carreira é aqui e o alcance nacional - eu acho - é consequência. Não me parece haver um esforço ou interesse em forçar uma carreira nacional ou mesmo internacional. Se um procura pelo outro, é mais o mercado de fora que procura pelo Chiclete. Isso eu acho de lenhar...

É isso, folião, querido.

Amanhã tem Mudança do Garcia e feijoada de Rogério. Vou tentar conciliar os dois.

sexta-feira, 4 de março de 2011

SOMOS MASCARADOS, MESMO, E AÍ PAI???

Quando eu morava em Vitória da Conquista, entre os anos de 82 e 90, a gente costumava chamar uma pessoa metida de 'mascarada'. Aí eu fui para o Colégio Técnico da Fundação José Carvalho, que era regime de internato (vcs acreditam que eu fui aluna de internato???) e as pessoas achavam estranho quando eu usava o termo neste contexto: "Fulana de tal é mascarada..." Mas, enfim, nem certo nem errado. Variantes culturais.O fato é que, longe de Conquista desde então, eu deixei de usar neste sentido.

Mas ontem, eu meio que senti uma presença de novo deste contexto.

A Barra foi tomada por gente fantasiada, gente muito feliz que deliberadamente se arrumou, escolheu o tema, a fantasia, a inspiração. E comprou coisa, roupa, adereço, peruca... E se maquiou e passou pelo desafio de escolher um sapato que seja confortável e ao mesmo tempo não destrua a fantasia.

Era tanta gente, mas tanta gente que a corda mesmo se fosse três vezes maior não daria conta. Eu acho que tava uma coisa Chiclete com Banana...

E tem uma coisa que para mim está no parentesco entre o teatro e o carnaval (que eu comentei num post mais a baixo) que faz a gente se sentir meio especial quando está fantasiado. A gente fica meio mascarado no sentido conquistense de dizer...

A gente desfila na rua como se estivesse no palco. E tomar churria na rua - sobretudo pra quem vai do Campo Grande para a Barra - é muito bom!!! (Falem mal, mas falem de mim!!!)

Assim que eu saí (de Baêa, porra!!!) ouvi um camarada me batizar, gritando para seus colegas:

"OLHA O RODRIGO GRAL, VELHO"

Porque eu estava de Baêa e com uma faixa no cabelo, e o cabelo como o dele no final do ano passado. Foi engraçado, porque eu não tinha tido este objetivo, mas batismo feito, personagem incorporado: Lá ia Rodrigo Gral para o carnaval. Não tenho fotos, porque não dá pra levar máquina, né e a gente sempre esquece de tirar em casa.

Bom, mas voltemos aos mascarados.

Alam que saiu de Cirano de Bergerac foi logo batizado de Pinóquio e fez muito sucesso. Agora o engraçado é que a roupa do espadachin francês não tinha nada de Pinóquio, mas o nariz se bastava. Foi muito engraçado.

E todas as bichas ótimas do percurso - MASCARADÍSSIMAS - desfilando sua liberdade e sua alegria de ser. Sinto que na quinta feira a caretice e intransigência da sociedade têm que aturar a alegria de ser artista, gay, lésbica, simpatizante, trans...

Ouvi alguém dizer na rua para alguém não fantasiado: "Você não vai acompanhar esta viadagem dos mascarados, não, vai?" e me dei conta de que muita gente que está ali acaba é tendo que engolir mesmo o nosso desfile, mas com toda mágoa e tristeza e infelicidade de gente reacionária. Paicência. A quinta-feira é nossa. E cá pra nós, a Barra é nossa. Deixa Dona Daniela passar com seu bloco Crocodilo, que de bloco de mauricinhos virou um super bloco gay!

Bom, me perdi toda. mas, quem não se perde no carnaval?

Lenine, eu ouvi pouco. O som estava meio ruim e tava muit, muito, muito lotado. Eu e muita gente mais ficávamos de beco em beco pegando pedacinhos do trio.

Ah, antes de acabar, vale dar os parabéns para minhas queridas amigas do 3 na Folia que estavam lindíssimas em cima do trio, realizando meu desejo.

Foi um lindo começo. Essa gente mascarada que fica esbanjando sua felicidade a torto e a direito.

E QUE CONTINUE A FESTA!!!


Já leu http://www.futeboldeartista.blogspot.com/?





.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Axé é Bom-bom, Axé é Bom-bom-bom...

Gente, na boa, eu cansei dessa história de que Axé é a escória da produção baiana. Cansei dessa cobrança de que não tem letra, de que não ensina, de que é pobre, tosco e sei lá mais o que.

Axé é bom porque tem consciência do lugar em que está, porque não quer ser o que não é.
Porque é extremamente eficaz naquilo a que se propõe.
Se a indústria arruinou o carnaval, não foi culpa do axé.
Aconteceu o mesmo com o futebol, com o cinema, com a literatura, com a internet, tudo entrou para o universo da industrialização, do mercado. Eu acho isso bom? Não, não acho. Mas também não acho isso um problema isolado e irresolvível.
Acho isso uma característica do nosso tempo e que se há culpados não são só os inimigos do povo que têm um plano infalível para dominar todo mundo. Se há culpados, os são também os que ficam sentadinhos na sua casinha, ouvindo suas musiquinhas clássicas ou bossa-novísiticas, falando mal de tudo o que tá acontecendo ao seu redor, num puta saudosismo que só atrapalha.

Que saco!!!

Axé é Bom e ponto!

Deus!!!

As coisas mudaram e eu acho que o Axé é uma expressão maravilhosa da nossa capacidade de ser feliz sendo besta... É isso mesmo!

A gente não quer ser inteligente, a gente não precisa fazer este esforço para ser feliz.
Claro que eu sei que temos muitos problemas sociais, gente. Sou mãe, atriz, professora e tenho meus momentos de raiva, saudade e vontade de fugir.

Mas o  que eu consigo concluir, no mais das vezes, é que eu ainda preciso decifrar este tempo em que vivemos. Eu olho para ele e digo: "Assim, tão de perto, não consigo te enxergar, não consigo te decifrar, não consigo te devorar. Assim, devora-me você!!! Que meus netos tenham distância para falar de nós!"

Queremos historicizar o presente, como se ele fosse passado.
O presente se vive!!! E isso é Axé!
O Axé faz sua obrigação no carnaval e no resto do ano. Ele não tem obrigação pedagógica, e talvez por isso mesmo o seja.

É um ritmo, gente, que não se faz em nenhum outro lugar do mundo.
É uma dança que nos traduz e que nos une.
Por que a gente precisa de outros parâmetros para comparar o que fazemos com o que os outros fazem? Me diz que outro estado tem uma música tão forte? Sua, exclusivamente sua.
Obviamente que o Axé e o Pagode são repletos de inspirações e influências de outras raízes, mas não tem Axé de Pernambuco, ou do Ceará.
É mais ou menos como o Brega do Pará, que ainda assim tem um pé no Amazonas. O sertanejo é espalhado na região central do país, mas o Axé é Baiano. Só baiano.

Tem coisa ruim no pagode, no axé? Tem. Assim como tem coisa ruim no teatro, no cinema, na literatura, insisto. Em todas as linguagens é preciso que se faça muito, para que se faça melhor, sempre melhor, eu acredito nisso.

Como as melhores produções vão surgir se não insistirmos incansavelmente em produzir? Isso o axé faz. Muita, muita, muita coisa. Quem sabe se fizéssemos mais teatro, assim, a rodo, não teríamos maiores produções???

Tem uma cosia mágica no Axé e no espetáculo de carnaval. Eu tenho minhas críticas sócio-políticas à dona Ivete Sângalo (cansada), mas o trio da bicha  passa e eu fico de pescoço duro. Aquilo é um encanto.
Existe um encanto no carnaval que é inegável. A gente passa no busu lotado na Av. Ocêanica, morrendo de calor, mas fica todo mundo babando os camarotes. Tá, um bocado de pobre que nunca vai estar ali, mas tem uma força estética inquestionável.

E sabe do que mais? Os empresário são espertíssimos e entendem a gradiosidade do Axé e por isso estão lucrando bilhões. Eles adoram que a gente fique reclamando, reclamando, sem fazer nada para atrapalhar. Porque ao invés de brigar com o mercado, com a indústria, com o poder público sobre os desmandos do carnaval, o que a gente faz? A gente perde tempo detonando os artistas do axé. Coisa mais feia e sem sentido. Coisa improdutiva.

Aí a gente faz o quê? A gente espera um afastamento de aproximadamente 5 a 10 anos para dizer que aquilo é bom. Foi assim com Luiz Caldas, foi assim com Gerasamba, agora Psirico... Engraçado é que a gente erra, erra e não aprende. É impressionante.

Eu já disse e vou repetir: Eu não quero ser européia. Se não temos peças de teatro ou dança para apresentarmos na Alemanha ou em Paris, eles também não têm trio elétrico para apresentarem aqui. E aí? Eles não sabem fazer carnaval como a gente. Por que a gente não pode se orgulhar e investir no que a gente sabe fazer de melhor? Por que dançar com o quadril, enlouquecidamente, todo mundo junto no meio da rua é menor do que dançar num palco para 200 pessoas?

Esse menosprezo pelas nossas coisas me incomoda demais. Vocês podem pensar: o que esperar de uma pessoa que estuda futebol e - pior - tenta comparar ao teatro????

Mas eu acho que estamos perdendo o bonde da história, virando as costas para o Axé e o Pagode. Acho que estamos focando errado e atirando em nós mesmos. Acho que jamais seremos livres culturalmente enquanto continuarmos procurando jaulas para nos apriosionarmos por opção própria.

Viva a Liberdade da Rua. Viva o Carnaval. Viva o Axé. Viva o Pagode!

Queria ser cantora para subir num trio com uma roupinha ordinária, cantar para uma multidão de bêbados e loucos por uma trepada. Eu queria muito ser estrela de trio elétrico.

É possível alguém realmente não sentir vontade avassaladora de ser feliz quando ouve uma música de carnaval?

Nós sabemos ser felizes!!! Isso me encanta!!!



quarta-feira, 2 de março de 2011

CARNAVAL - O AVÔ DO TEATRO

Ler a história do teatro ocidental é ler a descrição do carnaval baiano. Lembro-me das primeiras aulas de Luiz Marfuz - Fundamentos do Espetáculo - onde ele descrevia as festas dionisíacas. Dizia que as pessoas passavam dias a brincar pelas ruas, cantando, dançando, usando fantasias para não serem descobertas. O sexo era livre e e a orgia comia solta (mesmo)!!!

Era o lado dionísiaco da existência, em oposição ao lado apolíneo.

Sempre pensei que o teatro deveria continuar dionisíaco, não apenas por apego ao nome do deus do qual é devoto, mas porque tornando-se deveras apolíneo como me parece ser hoje, perdeu boa parte de seu contato direto com o público.

Ver desfiles de carnaval no Rio de Janeiro, ou mesmo as imagens do carnaval de Veneza ou acompanhar a esbórnia das ruas de Salvador é meio que revisitar esse nosso vovô querido, o teatro do prazer e da participação popular.

Margot Berthold, em História Mundial do Teatro (2001)  nos lembra:

"Os festivais rurais da prensagem do vinho, em dezembro, e as festas das flores em Atenas em fevereiro e março, eram dedicadas a Dioniso, deus do vinho. As orgias desenfreadas dos vinhateiros áticos honravam-no, assim como as vozes alteradas dos ditirambos e das canções báquicas atenienses. Quando os ritos dionisíacos se desenvolveram e resultaram na tragédia e na comédia, ele se tornou o deus do teatro.
O teatro é uma obra de arte social e comunal: nunca isso foi mais verdadeiro do que na Grécia Antiga. Em nenhum outro lugar, portanto, pôde alcançar tanta importância . A multidão reunida no theatron não era meramente espectadora, mas participante, no sentido literal. O público participava ativamente do ritual teatral, religioso, inseria-se na esfera dos deuses e compartilhava o conhecimento das grandes conexões mitológicas"

Acho que quando dançamos coreografias lindas e entoamos canções populares, inspiradas no cotidiano ou em pontos de candomblé, estamos de alguma forma compartilhando deste conhecimento, ainda que apenas de forma subjetiva. As canções genuinamente baianas como muitas de Brown, cantadas por Daniela, Margareth, ou mesmo os pagodes maravilhosos do Gerasamba e seus herdeiros, são sim, uma conexão com o sagrado. (Leia post sobre futebol e teatro: http://futeboldeartista.blogspot.com/2011/03/carnaval-alma-gemea-do-futebol.html)

Obviamente muita coisa mudou da Grécia Antiga pra cá. Sinto, porém, que no carnaval de Salvador estamos vivendo mudanças pequenas mas consideráveis. Não seriam os camarotes o apassivamento do folião? Ali, naquele espaço, além de se ausentar da festa em si, da comunhão e da união com o outro, o folião de camarote tem uma perspectiva que é a de olhar. Disputam a tapa um espaço na berada do camarote para ver a estrela passar. O camarote me parece uma outra festa, festa dentro da festa, dizem, mas para mim é mais do que isso, ou melhor, é o oposto disso, é uma festa fora da festa. Quem vai para o camarote, em termos de viver a festa, poderia ir para um camarote que estivesse na paralela. Sua relação com o carnaval de fato é puramente de espectador, Ele vê o carnaval passar e, quando passam as estrelas, volta para sua festa privê: sem o outro, sem sujeira, sem pobreza, sem troca. Só conforto!!! Enfim...

Amanhã carnaval e teatro se encontram no bloco Os Mascarados. Meu adorado Lenine estará em cima do trio e eu hei de estar lá, no meio da festa, vivendo este momento lindo de encontro e felicidade. Que as interpéries do carnaval não cheguem a mim. Elas existem, porque carnaval é vida e vida é risco. Quero o quenta da rua, quero o risco - mesmo que ele me assuste. Quero a sabedoria da pipoca, nem que seja de longe, como quando o Chiclete com Banana passa pela Avenida. A passagem do Chiclete merece (se é que num já tem) uma tese antropológica.



Que venha a Festa!!!



.