quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

UMA BALEIA EM NOITE DE CHUVA – Vidas Secas em Vitória da Conquista


Há quase um ano que a região de Vitória da Conquista sofre com a pior estiagem dos últimos 30 anos. Além do racionamento, da alta dos preços na feira, da ‘vida seca’ que se impõe na zona rural, paira sobre a terra rachada uma tristeza de dar dó.

Mas é justamente numa semana de intensas chuvas que chega aos palcos de nossa cidade o espetáculo da Cia de Teatro Primeiro Ato, inspirado na obra de Graciliano Ramos, Vidas Secas. O espetáculo vem ‘a mando’ do projeto Verão Cênico, como os leitores já devem estar sabendo.

Mais uma noite de plateia lotada, mesmo com o tempo fechado. É uma lindeza ver esse teatro lotado toda quarta-feira, chova ou faça lua!

E vamos ao espetáculo. Logo de entrada o cenário simples nos dava o tom da encenação.

E como começou abruptamente o espetáculo hoje!!! Sem sinais, sem vinheta. Isso acabou por atrapalhar um pouco o começo do espetáculo. A plateia ainda conversava com empolgação quando a cena inicial já rolava, com uma projeção que tinha narração e que a gente não conseguiu acompanhar bem. Aos poucos – bem devagar – a plateia começou a silenciar, mas sobrou ainda aquele celular ligado e aquele povo, educado pela audiência de televisão que tem o péssimo hábito de ficar batendo papo atrás da gente, bem no meio do espetáculo. E acham que porque estão sussurrando, não estão incomodando. Incomoda, gente. Quer conversar? Não entra! Não se pode conversar, nem baixinho, numa sala de cinema ou numa sala de espetáculo. Ali é um espaço público e é imprescindível que você respeite o espaço do outro. Sala de espetáculo não é lugar para bater papo. E tenho dito!

Voltemos à cena.

O espetáculo dirigido por Devilles, mentor da Cia que há mais de vinte anos produz teatro no extremo norte da Bahia, apresenta uma sucessão bem trabalhada de elementos cênicos. Uma luz bem recortada, sem cor que ilustra a secura da vida daquelas personagens. Algumas vezes sinto que a luz antecipa a cena, mas na maioria das vezes ela ajuda a compor imagens fortes cuja estagnação dá o tom do espetáculo. Os cortes são precisos, a direção aparece cuidadosa e primorosa nas marcações das cenas e no diálogo entre os elementos essenciais.
Imagem disponível no blog da Cia

Apesar de gostar do espetáculo, não posso deixar de sinalizar que na transposição da obra literária para a obra cênica, sinto que a profundidade da construção das personagens, tanto cada uma delas em si mesma, quanto na relação entre elas, fica prejudicada. O problema maior parece estar na soberania da história contada, isso que chamamos em dramaturgia de fábula. Sim, estão presentes as personagens e as histórias vividas por elas, mas sinto falta do peso daquelas subjetividades, daquelas humanidades que são tão intensas no romance e que parecem um pouco mais superficiais no palco. Aí não saberia apontar se o problema está no trabalho dos atores, especificamente ou na direção destes. Helder Ferrari que dá vida ao Fabiano tem uma presença de cena inegável, no entanto reluz uma juventude que talvez não remeta ao Fabiano da minha distante leitura da obra original. Ronali Barbosa, apesar de demonstrar potencial, acaba por sombrear Sinhá Vitória com sua voz frágil. Mesmo que isso diminua o envolvimento da plateia com o espetáculo, quero deixar registrado que é visível o potencial dela e dos demais integrantes do elenco, que com a prática dos palcos, com certeza produzirão trabalhos de inegável qualidade.


Devilles ousa em cena ao trazer ao palco uma criança e uma cadela. Essa opção pode ser um problema ou um achado numa montagem e neste caso, considero que foi um achado. A cadela é uma diva. Não se assusta com a plateia, permanece em cena com uma tranqüilidade impressionante e comove com seu olhar de bicho, convocando a todos da plateia a ler aquela cachorra em cena. Não é à toa que ela se chama Baleia na vida real. E é isso que nos chama para dentro da cena: a Baleia verdadeira. Ruan Medrado e Wagner Libório também cativam pelo que são de verdade e vê-los em cena nos atrai e nos seduz. O diretor usa isso a seu favor, ou que o diga, em favor da cena.

Insisto na questão do aprofundamento das relações entre os personagens, porque acredito que seja algo que se consiga com mais estrada, com mais apresentações. A cena da morte de Baleia, eu me lembro que quando li fiquei quase um mês de luto, atravessada por aquela dor. Na peça acho que a cena foi desperdiçada, breve, simples. Talvez seja uma demanda minha especificamente, mas senti falta da dor de Fabiano – que na minha leitura sofre com a necessidade de matar a cachorra – a dor dos meninos. Senti falta do silêncio de Fabiano, de sua profundeza dura, mais do que de sua grosseria. Senti falta do vazio de Sinhá Vitória, de sua obsessão pela cama de tiras de couro. Em termos de enredo, estava tudo lá, mas faltaram as sensações profundas que essa história promove.

A cena final é uma preciosidade. Os quadros recortados pela luz dos personagens esvaziados pelo eterno ciclo das estiagens. Aquele silêncio ensurdecedor. Aquele tempo dilatado. Estes elementos sintetizam todo o sumo da obra literária e da obra cênica. Ficaria tranquilamente sem a projeção final. Para mim ,o peso do silêncio e a dor dos personagens me bastariam. (Pois, então, eu que dirigisse minha peça, né não? Eita povo pra se meter no trabalho dos outros. Eu sei de tudo isso, gente.)

E, não podemos deixar de sinalizar que Maria Bethânia cantando canções da seca é sempre uma dor profunda.

Que fique registrado, por fim, que estas palavras revelam todo o meu deleite e, sobretudo, respeito com a obra assistida. Obviamente eu poderia lançar mão do argumento mais fácil e hipócrita (e na minha opinião improdutivo) de que para uma peça do interior da Bahia está muito bom. Prefiro arriscar-me a comentar o espetáculo como ele merece ser comentado: como um espetáculo profissional, com carreira, temporadas e viagens. Prefiro fazer uma leitura sincera e legítima do uso dos códigos teatrais, dentro do que me é possível como espectadora e como estudiosa da linguagem. Acredito que essa é a forma mais honesta de dizer o quanto eu gostei de ter assistido a este espetáculo.

Outro dado que deve ser levado em consideração, sobretudo neste contexto, é o importante trabalho que o grupo realiza em sua região com montagens que visam à formação de plateia não só em Juazeiro como nas cidades vizinhas. O grupo tem um relevante trabalho de arte-educação, construindo e circulando espetáculos que são transposições de obras literárias. Vidas Secas, por exemplo, é o último espetáculo da trilogia da seca, composta também pelos espetáculos O Quinze, inspirado na obra de Raquel de Queiroz e Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto. 

Adaptação da Cia 1º Ato para O Quinze de Rachel de Queiróz

Encenação de Morte e Vida Severina - poema dramático de João Cabral de Melo Neto

Uma vigorosa produção sobre a temática da seca, a partir de autores que conhecem de perto esta realidade, encenada por artistas também acostumados às dores da seca que encontraram nesta experiência um instrumento de diálogo com o público local. Inteligente e sagaz estratégia de sobrevivência. Podemos observar no blog da Cia 1º Ato o que se vê em cena: que existe um importante trabalho com jovens atores da cidade e região.

Pois então. Estou aguardando fotos da sessão de ontem para ilustrar melhor este post. Fiquem com um bate-papo que essa trupe simpática e batalhadora teve com a gente no nosso DEZ MINUTOS COM... clicando aqui.

E, nunca é demais lembrar, comente à vontade. O que mais vale, no blog, no teatro, no boteco e na vida é bater um bom papo e trocar uma ideia. Sinta-se em casa!

Arte do Espectador saúda Baleia - Foto Hannah Abnner

Cia 1º Ato e equipe do Centro de Cultura Camilo de Jesus Lima - Foto Hannah Abnner

E por falar em casa, já está sabendo da novidade? Clique e conheça o projeto TEATRO-ESCOLA CASA DO REBANHO.

FICHA TÉCNICA:

VIDAS SECAS
Adaptação do Romance homônimo de Graciliano Ramos
Adaptação: Antônio Carlos dos Santos
Direção: Devilles
ELENCO:
Helder Ferrari
Ronali Barbosa
Ruan Medrado
Wagner Libório
Davi Monteiro
Maurício Fábio




quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A faca e o corte: de que trata, afinal, o Circo de Soleinildo?

Texto elaborado a quatro mãos, por Adriana Amorim e Hannah Abnner.
Fotos produzidas e gentilmente cedidas por: Erica Daniela

Parte da fila para entrar - ESTREIA DO PROJETO VERÃO CÊNICO/2013

A acomodação da plateia levou quase uma hora
Ontem foi a estreia da edição 2013 do projeto da FUNCEB (Fundação Cultural do Estado da Bahia) órgão da Secretaria de Cultura, VERÃO CÊNICO. Diferente da edição do ano passado, quando a adesão do público parece ter sido baixa, a repercussão dessa nova edição desde o começo do mês já dava sinais de que seria um evento bem sucedido.

Não sei como foi nas outras cidades, mas aqui em Conquista, sucesso é pouco para definir esta abertura.

O saguão do Centro de Cultura Camilo de Jesus Lima estava completamente tomado por um público majoritariamente jovem, organizado em duas filas que faziam lindas e sugestivas curvas tanto para a compra do bilhete (R$ 1,00 a inteira e 0,50 a meia) e outra para entrar. Já dali se via um belo espetáculo.

A cena era ainda mais bela posto que ao fundo, nas paredes do Centro, as lindas pinturas de J. Murilo a partir do universo de Guimarães Rosa preenchiam nossos olhos e almas. Lindas pinturas em tela, em madeira e umas mais lindas ainda numas molduras de janelas antigas que eu enlouqueci de deleite.

Do lado de fora um lindo mural em papel metro, desenhado com carvão, eu acho, lindo demais. Umas das belas obras do artista plástico Arisson Sena, autor também  do Rola-bosta que fica no jardim do Centro de Cultura.(aguardando o nome das obras).

Completavam a cena a presença do próprio Camilo de Jesus Lima (interpretado por ator local) e duas personagens que não sei se devo chamar de travestis ou Drag Queens, mas uma delícia de mestres de cerimônias. Enfim, uma festa sempre completada pelo vendedor de cachaça e o tiozinho das balas.

Na entrada uma coisa de gente! Cadeiras extras pra lá e pra cá. Muita gente transgredindo as fitas que isolavam as cadeiras de onde não se teria um visão boa da peça. Invasão da área central, onde, colado ao palco foi montado o cenário (o espetáculo desceu, recusando usar o distante palco principal). De novo, uma festa!

Mas, vamos ao espetáculo?
E esse não é um convite à toa. Não no caso desta peça. O Circo de Soleinildo é daquelas obras que de tão simples, mas de tão simples, a gente pára e quase nem respira. Sabe aquelas obras que a gente sente que nos melhoram como pessoa? Aquela que a gente pensa, como não haviam feito isso antes? O Circo... é assim.



E em sua metalinguagem O Circo de Soleinildo fala mais, muito mais do que da vida de artista. Porque eu, honestamente, acho que o artista é um extrato pleno e vigoroso do ser humano. A gente representa o exagero de tudo aquilo que todo mundo tem, mas a gente assume, a gente aumenta, a gente estrangula ao máximo tudo o que passa por nós.

A dor e a solidão, a insegurança, a tristeza, a dúvida, a vontade de continuar, o medo de parar, aquele sentimento de 'e agora?' esses sentimentos todos são de todos nós, mas o artista, sempre em sua vida e em sua obra, os viverá intensa e declaradamente.

Tentando diminuir a tristeza de Solenildo
É tanta coisa para se dizer deste espetáculo que eu vou pular as partes sobre as quais muito já se falou. Eu não vou falar que o texto dramático é primoroso, que a encenação é irretocável, que os elementos de cena são todos de uma delicadeza e qualidade estética que nos envolve sem possibilidade de volta. Também não vou falar da simplicidade e do primor do trabalho dos atores, no ponto, envolvidos, íntimos em seu conjunto. Posso também abrir mão de dizer que Sérgio e Shirley optam por uma direção limpa e delicada, simples e contundente, muito, muito arriscada, que só se completa por conta da intimidade que o elenco desenvolveu.

E já que (não) estou falando do elenco, me permitam os homens (ótimos atores) fazer um revelação: Soleinildo é mulher! Calma, calma, eu não estou falando aqui ingenuamente, como se ninguém soubesse, que Soleinildo é interpretado por uma atriz.

Isac Flores com expressiva tristeza e fragilidade
Eu estou dizendo que o espetáculo (e tudo o que ele representa) é delas. É elas! E os atores, brilhantemente parecem entender isso e em cena estão ali a serviço delas. Assim, Cristiano Martins e Isac Flores fazem um primoroso trabalho de delicadeza e de companheirismo. Irreparável. Aqui, delicados são os homens! E isso é lindo demais!

Shirley Ferreira é uma coisa! Uma diva! Eu já havia assistido ao espetáculo no Festival da Juventude na Praça Barão do Rio Branco em Conquista no ano passado com outra atriz, Iara Barbosa, também muito boa, mas que trazia uma leveza à personagem. Ria-se das mesmas cenas com Iara Barbosa, sem tanto pesar e dor quanto se ri das cenas supostamente cômicas com Shirley Ferreira. Em cena, essa atriz brilhante (eu não tenho nenhum pudor em dizer isso) transformada pela maquiagem e pelo figurino é o próprio peso da solidão e da experiência. Cada cena sua, cada gesto é de fazer chorar. Seu olhar afunda a gente e a peça nos trespassa sem chance de dizermos NÃO!.

Shirley Ferreira em cena. Aguenta coração!

Que mulher é essa que olha pra gente e a gente congela? Que abre a boa e a terra treme? Eu realmente não tenho códigos para decifrar Shirley Ferreira! Só sei sentí-la!

Kécia Prado dá vida a Solenildo

E o monstrinho é esse que faz Soleinildo? Olhando desavisadamente, Kécia Prado parece pequena, frágil, um sorriso de menina. Mas a danada abre a boca e sai de baixo. Um vozerão que nem Soleinildo teria, se falasse. E essa ambiguidade de menina e leão é fundamental para a construção daquele patriarca do circo, daquela figura altiva e frágil ao mesmo tempo, para quem a família de atores dedica todo seu carinho, toda sua preocupação e devoção. O solo do personagem com capote (aquela alma sem corpo), diante da imóvel plateia construída pelos amigos fiéis é de matar um do coração. Um simples número de palhaço, já conhecido até, se torna um momento de puro enlevo.




A descoberta da cruel realidade e a revelação da aparentemente ingênua brincadeira com o Cirque du Soleil também é rápida, mas dolorosa. O ator que volta para reconstituir o nome original da trupe, toca tão silenciosamente em nossa vaidade porque nos diz em alto e bom som: 'seremos, sim, o que somos, custe o que custar'.

Esse espetáculo lembra, e foi Hannah, parceira de análise, que se deu conta, o filme de animação O Mágico, de Sylvain Chomet, mesmo realizador de As Bicicletas de Beleville. Esta obra, como a peça da Operakata, trata lindamente, apesar da crueldade encerrada em ambas, da vida do artista, da crueldade do mercado e da nossa incapacidade de viver sem isso.



Cristiano Martins e Shirley Ferreira na emblemática cena do atirador de facas
Para encerrar esse post imenso que eu não consigo terminar nunca, quero voltar-me à imagem da faca, por ser um número emblemático, muito engraçado, que reúne tensão, graça, revelação, mímese, enfim, todos os elementos que estão na obra como um todo. Mas não só por isso. Quero acessar a imagem da faca, do corte, da facada que levamos dia após dia, quer sejamos trabalhadores do palco ou do escritório. Quero falar das tantas farsas que produzimos na vida, de como forjamos números, de como fazemos cena. E essas tapeações que promovemos para os outros e na maioria das vezes para nós mesmos, ah, como elas são frágeis e num espirro se revelam.

Esse público que nunca vem, não é só para os artistas. A decisão entre ceder às demandas de fora e responder aos impulsos internos, eu insisto, não é só de artistas. Quantos bancários, secretárias, professoras, balconistas, domésticas, médicos, motoristas, advogados, abriram mão de suas verdadeiras aspirações para se render a uma vida que lhe garantiram ser melhor do que aquela que eles sentiam pulsar lá dentro. Ai, que isso tá ficando cafona, mas eu só consigo ver por estes olhos, o espetáculo.

O grupo pode ter feito um espetáculo que fala de artistas, mas sem saber (o que eu duvido muito) falou de todos e de cada um de nós que senta naquela plateia, artista ou não, e se vê em Soleinildo ou em cada um daquela frágil mas indestrutível trupe.

E se disserem "Nossa tanto de um espetáculo tão curto!" eu só posso responder:

Curta, é a vida, meu amigo! Curta é a vida!

Hannah Abnner registra bate-bapo da Operakata com o Arte do Espectador

Depois do espetáculo a trupe nos recebeu e conversamos sobre teatro, formação de plateia, sobre a trajetória bem sucedida do Soleinildo e, claro, sobre as recentes polêmicas envolvendo o II FESTIVAL DE CENAS CURTAS que aconteceu no final do ano passado e teve grande repercussão aqui no blog, você deve ter acompanhado. Confira esse delicioso bate papo-com a Operakata na retomada do nosso DEZ MINUTOS COM...clicando aqui.

E também a palavra da plateia com a volta do GOL DO ESPETÁCULO clicando aqui.

Comentários são sempre bem-vindos!

Gracias a la vida. Que nos ai dado tanto!

O CIRCO DE SOLEINILDO
TEXTO: Gilsérgio Botelho
DIREÇÃO: Gilsérgio Botelho e Shirley Ferreira
ELENCO: Kécia Prado, Cristiano Martins, Isac Flores e Shirley Ferreira
DESENHO DE LUZ: Raiza Lélis e Wandick Trindade
CENOGRAFIA: Gilsérgio Botelho
FIGURINO: Kécia Prado
PRODUÇÃO: Kétia Prado Damasceno




segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

XEGA DE XÓPIM??? E o que mais???


Diante da foto compartilhada à exaustão sobre a relação entre Shoppings, praças, museus... cultura, arte e tal, pus-me a pensar naquilo que a gente quer, acha que quer, diz que quer, mas será que quer mesmo?

Confesso que eu mesma peguei no mouse pra compartilhar, mas mui honestamente me perguntei se era isso mesmo que eu achava. E fui refletir.

Primeiro eu me dei conta de que talvez a maioria de quem compartilha já tem um shopping perto de sua casa e com mutia certeza compra suas roupas, livros, dvd's, coisas das americanas lá. E lá também come um Mac ou Bob's ou Subway que é mais in. E lá também compra os presentes de amigo secreto. E também vai ao cinema, lá. E vai comprar o material didático seu ou dos filhos lá.

E também é engraçado que mesmo que o número de Shoppings em Salvador seja realmente muito alto, não cheguei a ver nenhum deles, mesmo os recém inaugurados vazios. Por tanto, demanda, há.

Aí pensei em todas as pessoas que vão ao Shopping espalhadas pelas ruas da cidade. Confesso que mesmo estando em Conquista, minha referência ainda é Salvador. Fiquei imaginando a Joana Angélica mais cheia do que já é, com todos os frequentadores do Piedade e do Center Lapa espalhados por aquele calor que derrete aquelas calçadas curtas.

E dei-me conta ainda de que a gente realmente tem problemas nas nossas exigências e manifestações de repúdio. Algo parecido com o tal do NÃO PRECISAMOS DE COPA DO MUNDO (Leia o texto clicando aqui ). A velha mania de jogar o bebê com a água do banho.

Não que eu defenda os Shoppings, muito, muito, mas muito pelo contrário. É um programa que eu, particularmente não curto. Também não sou cega sobre a relevância deste espaço social como ícone da geração capitalista extremista da qual fazemos parte e temos lá nossa parcela de contribuição. Mas, mesmo não sendo viciada em Shopping Centers, não posso deixar de ler o manifesto acima com alguma criticidade.

A culpa do crime nunca é da faca, já me disse Eduardo Galeano.

Questão Tostines (para os que tem mais de 30...) Foi o Shopping que arruinou nossa sociedade ou nossa sociedade podre criou o Shopping?

Para termos mais praças, museus, teatros e tal, precisamos mesmo pedir que não haja mais shoppings? Quem faz shoppings, não é a mesma tchurma que faz museus, praças e afins. Mas não mesmo.

Deixem lá os shoppings reunindo os fiéis do consumo. Eu também odeio tudo isso. Meus filhos, que têm uma experiência artística, cultural bastante intensa, também adoram shopping. É lá que encontram seus amigos, é lá que compram as coisas que os unem, que os identificam como adolescentes de sua época. Não sejamos ingênuos. Não é porque na nossa época não havia shoppings, pelo menos não tantos como hoje, que podemos gritar que somos imunes a esse mal. Eu adorava ir ao Mapping ou às Pernambucanas no Natal comprar meus presentes.

O que me preocupa com reclamações desse tipo não é nem a reclamação em si, é que ao pensar nela assim de modo tão supostamente definitivo, a gente pode deixar de pensar de fato nas questões que envolvem o tema. Dizer NÃO ao Shopping pode parecer político, mas só dizer NÃO, é tão pouco. Adianta o que dizer NÃO e fazer SIM? Onde terá esse povo todo comprado o computador, ou o celular ou o I-Pod de onde compartilhou a foto?

É muito discurso pra pouca reflexão, pra pouca ação. E dormimos o sono dos justos, o sono dos certos, botando a culpa da merda em que o mundo virou sempre nos outros. A gente é tão correto, tão politizado, né?

Eu quero é mais que os Shoppings reúnam sob luz e ar artificiais essa coisa estranha em que nos tornamos (vai dizer que você não adooooooora o ar condicionado do shopping!).

É assustador, eu também acho, mas não é dizendo NÃO ao templo que transformaremos essa religião.

Religião virou mercado e mercado religião.

Deixe essas lojas todas uma em cima da outra. Se for pra destruir, vai ser mais rápido. Ser for ficar a cabo do tempo, quando tudo isso estiver abandonado, pelo menos se terá gastado menos terreno.

Que nesse terrenos onde não ser construirão lojas (porque elas estão todas umas em cima das outras) neste terreno livre sim, que se construam praças, museus, arenas, campos de futebol, quadras, pistas de skate, quiosques, sob muitas árvores.

Mas até lá, tantas paredes que não as do shopping precisarão ser demolidas. Tantas...

Podemos começar com o protesto de quem compartilhou a foto de nunca mais entrar num shopping center. Quem topa?