Acabou na sexta-feira última a série Chico Xavier, da Rede Globo, uma extensão do filme de Daniel Filho que representa um dos grandes sucessos de nosso cinema.
Independente de minha atual curiosidade pela doutrina espírita - provocada justamente pela apreciação do filme - o interesse pelo filme enquanto produto artístico é inevitável. O filme é de um cuidado e rigor estéticos que deixam no espectador uma sensação de acolhimento, de respeito e interesse pelo público por parte de quem o produz. Acho que as inovações na construção das cenas - como a explosão das telhas na primeira psicografia, as imagens da estação de São Leopoldo - apontam para uma libertação dos modelos televisivos que dominam as produções da Globo Filmes.
Mas, se o roteiro do filme - adaptado da obra de Marcel Souto Maior - é uma preciosidade, se a direção é afinada e delicada, se as locações são de um apuro apreciável, nada se pode comparar ao trabalho do elenco, com seus famosos e desconhecidos fazendo um trabalho primoroso de interpretação. Christiani Torloni e Cássia Kiss formam uma dupla comovente. Tony Ramos sempre competente e carismático. Giovanna Antoneli soberba. Luiz Melo, Pedro Paulo Rangel, Osvaldo Mil, Carla Daniel, Letícia Sabatella, Giulia Gam e tantos outros se esmeram em construir um filme tocante. Nelson Xavier e o menino Matheus Costa fazem um Chico humano, amigo, querido.
Mas Ângelo Antônio... ah, este supera-se de forma apaixonante. Eu já o tinha nas contas de um dos maiores atores do nosso cinema desde Dois filhos de Francisco, onde, vivendo um outro Francisco, ele faz um trabalho visceral, que dá liga a todo o filme. Mas em Chico Xavier, realmente ele superou tudo o que havia feito até aqui. Seu comportamento corporal, suas expressões de rosto, seu sorriso, seu olhar, conseguem materializar toda a paz e amor que Chico Xavier emanava. Se Nelson Xavier parece-se incrivelmente com Chico, na dimensão física e material, é Ângelo quem traduz toda doçura, segurança e conforto que se reconhece no médium.
Por conta do impacto provocado na obra em mim, fui estudar a doutrina. Li Alain Kardec, assisti Nosso Lar (que acho um equívoco do ponto de vista estético) e estou assistindo ao programa Pinga Fogo (DVD com as duas entrevistas históricas do ano de 71 que estão em boa parte do filme). É impressionante a paz que a presença de Chico inspira, mesmo em vídeo. E é impressionante como vendo-o a semelhança com Nelson Xavier é grande, mas a gente percebe a qualidade do trabalho de Ângelo, pois é o Chico jovem que parece ser evocado, através da energia, do tempo da fala, do sorriso.
Ainda tenho minhas questões com a doutrina. Cheguei à conclusão que sou mais 'Chico Xavierista' do que Kardecista, pois me convoca muito mais o amor pregado por Chico Xavier do que as teorias que pra mim soam por demais classistas presentes no discurso do francês.
Votlando a assistir ao filme, porém (agora extendido em série, depois de eu ter assistido umas 6 ou 7 vezes antes) chego à conclusão que sou Ângelo Antonista. Que o que me convoca e me atrai - pelo menos o que serviu como ponto de partida para a experiência de pesquisa sobre o tema - é a experiência estética. Vendo Ângelo Antônio em cena, penso em como gostaria de fazer cinema (lembrem-se que sou atriz). Como é lindo dar vida a um personagem, a uma idéia, evocar multidões através de sentimentos, enfim, realizar uma viagem dentro da experiência humana de cada um através de um trabalho. Da dedicação de estudar, ler, pesquisar, fazer, doar-se, ser um outro alguém. Um trabalho desses requer dedicação, amor e me convece de que a produção artística é um trabalho sublime, especial, transformador.
Eu tenho muito orgulho de ser artista e espero que possa transformar vidas, tocá-las ao menos, como este filme (e tantas outras obras de arte, obviamente) fez comigo. Acho que estes artistas têm algo de especial por promoverem amor em quem os assiste e o encontro entre o tema do filme e sua realização prática, nem estão tão distantes assim.
Deixo então registrada minha profunda admiração pelo trabalho do ator Ângelo Antônio, que com maestria e delicadeza me levou para um novo lugar, me convocou a uma pesquisa da doutrina espírita e mais que isso, uma pesquisa de mim mesma. Neste ponto, doutrina espírita e experiência estética têm para mim um papel muito semelhante que é esta busca por respostas dentro ou fora de mim. E Viva o espírito artístico! E Viva a encarnação da experiência estética!
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