quarta-feira, 31 de agosto de 2011

GRAND THEATER PÃO E CIRCO

Gente, infelizmente não pude ver essa temporada da excelente peça da Manada Confraria de Teatro, grupo que eu admiro profundamente. Assisti há aproximadamente dois anos e afirmo até hoje que é uma das melhroes peças que eu já tive o prazer de assitir.

Curiosamente mexendo em meus back-ups, encontrei um trabalho produzido para a disciplina TEORIA DA RECEPÇÃO quando ainda estava no mestrado. Nesta disciplina, ministrada pelo meu querido orientador de então e de agora, tínhamos que fazer um comentário sobre algum espetáculo, mas a partir de um conceito de crítica bem diferente do que tenho feito aqui no blog. Neste princípio, devemos evitar fazer juízo de valor e devemos tentar nos ater apenas à descriação da experiência. É óbvio que eu não consegui mutia isenção, vocês já me conhecem...

O texto é longo, mas Kahrol Ribeiro com seu trabalho primoroso e impactante valem a longa leitura. Observem as mudanças no visual da peça, sobretudo no figurino e maquiagem que a peça foi sofrendo ao longo dos anos.

Espero que gostem. E lamento que teatro não é como cinema que deixa a obra aí pra sempre. Queria que essa peça ficasse em cartaz pra sempre, mas pra sempre não é da nossa natureza. Paciência.

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Análise do espetáculo Grand Theater Pão e Circo, da Cia Manada de Teatro.

Criação, direção e atuação: Carol Kahro


O grande cartaz com um boneco andrógino convidando o observador é provocativo. A sinopse parece um pouco pretensiosa. Diz-se que o espetáculo solo trata de questões da contemporaneidade, da influência da mídia em nossa geração, fazendo um paralelo com o pão e circo romano. Restava no ar o conflito entre o convite sedutor do cartaz e a desconfiança de sinopse tão abrangente.
No dia internacional do teatro, dentro da programação este espetáculo volta a cartaz e ei que vou render-me ao convite visual. Na entrada, o cartaz se configura em cima do palco. A atriz, andrógina como o personagem do cartaz com maquiagem precisa e figurino básico, parece assustada, recebe a platéia de cima do palco, acenando, indicando lugares para sentar. O cenário é repleto de quadrados de cores no tom terra. Algumas caixas de diferentes tamanhos e um tapete que avança para formar a parede do fundo, onde se encontram algumas telas de tv.
Terminada a entrada da platéia a atriz posiciona-se no proscênio e começa a narrar uma tragédia familiar, descrevendo os mínimos detalhes, ao mesmo passo em que vai desenhando o acontecimento com o corpo. Fala de uma família que está sob a mira de muitos revólveres de policiais que ameaçam invadir a casa se o marido não se entregar. Construindo com muita dinâmica a cena, ela passeia por todos os personagens, pai, mãe e crianças, ao mesmo tempo em que descreve a cena.
Parada brusca na história. Daí em diante a atriz vai vivenciar cenas de uma mulher normal em seu cotidiano classe média. No intersecção das cenas, porém vão aparecendo cenas nas telas de TV da violência no oriente médio. A personagem vai dialogar com os fatos apresentados na TV. O texto, construído de forma extremamente eficiente constrói com a encenação uma sensação para o público de extrema clareza de seu conteúdo, de altíssima ironia e de uma proximidade com nossa própria história, que chega a nos constranger. Rimos, mas pensamos: e eu, por acaso não sou assim? Esta é a pergunta que vai nortear todo o espetáculo.

Essa personagem vai ganhando vida através de cenas separadas com muita definição. O apuro técnico tanta do trabalho da atriz quanto das opções de encenação dão ao todo mais clareza e crueldade, pois os fatos parecem ser incontestáveis e a viagem estética que se promove através de cores e formas geométricas parece hipnotizar o espectador. A precisão do texto está no cenário, no figurino e sobretudo no trabalho da atriz.
A partir da entrada na vida desta personagem, sua relação com o filho, com a empregada, com os amigos e sobretudo consigo mesma, através das cenas de extrema solidão, mais do que revelar o stanislavkiana psicologia da personagem, vai nos provocando e retomando a todo instante a pergunta inicial: e eu, sou assim?
Uma das cenas que chama atenção pelo contraste, próprio do dia-a-dia, entre o discurso proferido e a ação realizada ao mesmo tempo. A personagem que se diz defensora dos direitos humanos e sentiu-se tocada a pouco pela morte de uma mulher no oriente médio diz para a empregada, ao reclamar da arrumação equivocada do armário: “Esta parte ficam as comidas do meu filho, aqui as minhas e aqui as que você também pode mexer.” No mesmo instante ao negar aumento de salário para a empregada, argumentando que tem que pagar a academia, pede no mesmo discurso para que a empregada cuide de seu filho no domingo à noite, implorando, recorrendo aos sentimentos da empregada, que obviamente, não recebe o aumento e ainda aceita trabalhar no domingo a noite. Independente da simplicidade do enredo desta cena, o impacto está na interpretação da atriz, que sozinha, entre caixas, nos permite experimentar a existência da empregada, dos móveis, da casa.

Em outras cenas a personagem experimenta de uma solidão profunda ao esperar pelo homem que ela considera seu namorado, mas que obviamente – isso percebe-se pela ingenuidade do diálogo dela no telefone com ele – não tem mais interesse nela. Ela, no restaurante, sem dizer palavra, senta-se, entusiasmada e o relógio digital nas telas da tv vai marcando o passar cruel da noite. 19, 20, 21... 24h. Seu humor altera-se e toda a compreensão descrita aqui parte do trabalho corporal da atriz. O intervalo entre as horas de espera no restaurante é permeada por cenas que cruzam esta, marcando horário anterior á chegada no restaurante, incluindo uma conversa com uma amiga e a conversa citada acima com a empregada. O tempo é todo cortado e o espectador é convidado a aceitar o estranho, o que não se compreende, mas se delicia no olhar, para depois respirar aliviado: Ah, entendi!!!
Durante a apreciação parece impossível não apreciar o trabalho da atriz para além da encenação. Além de nos envolvermos com a história que é contada ali e com o jogo cênico, surpreende as mudanças de personagem ou de humor da atriz fazendo o mesmo ou outros personagens.


Numa cena em que o suposto assaltante que violenta a personagem é interrogado, a atriz coloca-se no lugar de promotor público e diz impropérios a um balão de gás hélio preso a uma caixa de madeira. O balão é azul e de uma infantilidade tocante. Mas ali, na contracena com a atriz o balão é o cruel assassino que merece ser torturado e pagar por sua deficiência de moral e caráter. Num discurso contundente, irônico e provocativo a atriz como que encostasse uma navalha no pescoço do público questionando: “e você o que acha disso?” Num dado momento ela pega o dito marginal pelo “pescoço”e diz-lhe: “Alguma coisa deu errado em você. A natureza falhou. Você é um defeito da natureza.” Então convida todas as vítimas do criminoso a se vingarem dele. Promove uma fila para o linchamento organizando explicando: “crianças, idosos e gestante tem preferência.” Como fica parada esperado o primeiro a reagir, uma pessoa da platéia aceita o convite, no que a atriz rebate: “ a senhora agora, não, tem que ir para o fim da fila.” A platéia, que já estava em suspensão por conta da intensidade da cena do promotor e da crescente empolgação que adquire ao organizar o linchamento, aplaude e apega-se a este momento de poder retornar a um nível menos pesado da existência.
A seguir, a empregada volta pra casa e encontra-se com seu marido e seus filhos. Aos poucos, através das cenas realizadas e através das imagens de violência na TV, quando são projetados recortes de telejornais onde só se fala na intensidade da violência urbana, na crueldade dos métodos, na ação dos policiais que deveriam proteger e dar segurança aos civis, vamos percebendo que esta família é a família do início do espetáculo e já começamos a sofrer por antecipação, pois já sabemos o final da história. O que não nos assegura, porém de não sofrermos, pois a cena vai sendo criada numa velocidade compatível com o que vivemos hoje nas nossas relações urbanas e midiatizadas. De um outro ponto de vista, o que foi descrito no começo, vemos a mãe, os filhos e o pai, acuados pela polícia, Nas telas do cenário, os telejornais vão contando a história que passa a nossa frente, com cortes bruscos e imagens de diferentes emissoras sobre o mesmo caso. A tensão vai subindo, os textos da atriz em qualquer um dos personagens – pai, mãe e crianças – casa perfeitamente com os textos da TV. Aos poucos vamos entrando na tensão criada pela cena, a atriz, como mãe gritando desesperada para proteger os filhos, pedindo que o marido se entregue, como pai, tentando compreender o que está acontecendo, sem saber porque deveria se entregar, como os filhos, gritando com medo da morte, até que grita incansáveis vezes o nome do marido, quando atriz e platéia, já exaustos, descansam sobre a crueldade do desenrolar da história, sobre o desespero do vazio, sobre a dor de não sabermos o que fazer diante do que percebemos, mas não compreendemos.
Com os olhos cheios de lágrimas, comovida pela experiência, pelo vigor político e pelo trabalho artístico realizado diante dos meus olhos, bato palmas incansavelmente durante, sem dúvida, mais de dois minutos. A platéia em delírio. A atriz chora comovida e agradece a presença de todos.

Eu saio da sala de teatro tremendo, invadida por impressões, certezas e dúvidas. Uma sensação de maremoto toma conta de mim. Sinto tontura até. Aguardo ansiosa por um contato com a atriz, dou-lhe um breve abraço, parabenizo-a e sobretudo, agradeço. Até hoje, aguardo a volta do espetáculo para recuperar partes do enredo, soluções cênicas, imagens perdidas na escolha do olhar que requer o teatro. E fortaleço-me com o sentimento de que a arte enaltece a existência, traduz o indizível, recolore as tintas desbotadas da existência.


terça-feira, 30 de agosto de 2011

O palco na Telona

Não é de hoje que o teatro inspira outras atividades humanas. Psicologia, Filosofia, Música entre tantas outras, buscam no universo paralelo criado pelo teatro (seja na dramaturgia, seja na encenação ou mesmo na prática cotidiana de se fazer teatro, de se viver para o teatro) um tema, um mote, uma história, uma reflexão, uma teoria...
Tudo isso e muito mais nos é oferecido o tempo todo pelo generoso ato de representar, e aqui eu digo representar num amplo sentido aristotélico de recriar o princípio criador.


Tá ficando pesado o post, né? Parecendo tese... por que será? Vai piorar, veja só:

Mas o cinema, ah, este tem um verdadeiro caso de amor com o teatro. A gente até chega a achar que é seu filho direto. Cleise Mendes em As Estratégias do Drama nos lembra ao discutir sobre a Convivêcnia Dramática:

Existe uma arte do drama e uma arte do teatro. Se durante séculos o palco foi o lugar privilegiado para uma leitura produtiva dos textos dramáticos, no presente o drama tem íntimas e inquietantes relações com outras linguagens, entre as quais a grande arte cinematográfica.” (MENDES, 1995. P. 30)
Num falei? Rolou até citação... Isso que dá fazer post no meio dos estudos do doutorado. Mas, avancemos...

Não é à toa que a relação do teatro com o cinema é mais do que íntima, é de parentesco. Cineteatro. O termo vem justamente do cinema enquanto lugar onde se assiste o filme. Lembrando aos desavisados que teatro é, etimologicamente, o lugar preparado para o olhar, do grego THEATRON. Home-theater não é para você assistir a peças me casa, mas sim, a filmes. E nos traillers a gente sempre vê em inglês: ONLY ON THEATERS (ou theatres ambos corretos), que é APENAS NOS CIMENAS, ou seja, ainda não em dvd. Só na sala preparada para o seu olhar.

O que eu quero dizer em relação à citação de Cleise Mendes (minha querida professora de Dramaturgia) é que não estou falando apenas do drama (do grego DRONTAS, ação) no cinema, quer seja a dramaturgia do roteiro ou um texto dramático que tenha virado filme. Essa categoria será a segunda leva de sugestão de filmes, porque são muitos, muitos, muitos filmes cujo roteiro é a adaptação de uma peça.

As diferenças entre texto dramático e texto teatral são ótimos de serem estudados, mas não cabe aqui, né. Alô queridos estudantes de Jequié, esse papo é privilégio nosso...


O que está nessa página O PALCO NA TELONA, nesta primeira edição é uma lista de 20 filmes que versam sobre o universo do teatro.

Histórias sobre atrizes, atores, grupos, autores, sobre um determinado período da história do teatro, portanto da humanidade, ou mesmo reflexões sobre este mundo que olhado assim, bem de pertinho nos falam tanto dessa tarefa árdua e doce de ser gente.

Não é à toa que segundo Harold Bloom (lá vem eu de novo...) diz que Shakespeare inventa o ser-humano, ou que a Tragédia Grega seja apontada nos estudos da Psicologia e da Filosofia como o berço do homem ocidental, como o conhecemos (e o somos) hoje. Mas, voltemos à lista:

A maioria deles eu já assiti, outros foi buscando em blog mesmo. Alguns eu gosto muito, outros eu acho chatos, mas todos importantes.

Entre os meus favoritos está o clássico A VIAGEM DO CAPITÃO TORNADO do maravilhoso Ettore Scola de quem eu amo todos os filmes. Além de uma linda viagem pela Commedia Dell'Arte o filme é uma viagem pela o universo da beleza. Enfim, clássico é clássico, né.

Outro queridinho é do meu outro ídolo do cinema Fernando Meirelles, que apesar de ser uma adaptação de uma obra canadense, tem uma íntima relação com nossa realidade brasileira. Elenco, direção, roteiro, Afi Maria é tudo perfeito. E a trilha? Secos e Molhados para os novos conhecerem e os velhos morrerm de saudosismo. Tudo de bom. SOM E FÚRIA coloca Shakespeare dentro da nossa sala, do título ao roteiro, passando obviamente pelas obras encenadas pelo grupo. A humanidade das personagens, todas elas, do protagonista aos figurantes é tocante. A brincadeira interna dos nomes, todos ou sua maioria tirados do universo dos grandes autores e diretores e personagens da dramaturgia universal (sem contar com a homenagem-veneno à grande crítica Bárbara Heliodora)são um presentinho para quem faz teatro e entende a piada. Amo muito.

PERGUNTE-ME SE ESTOU FELIZ é menos conhecido, mas nem por isso menor. Linda comédia sobre atores amigos e sobre uma montagem de Cyrano de Bergerac que acabou por inspirar o rebanho de atores numa de nossas montagens. Delicioso!

Alguns eu conheci há pouco. ILLUMINATA eu assisti por acaso num canal fechado nessas madrugadas que a gente fica zapeando. Belíssimo. LOPE eu assisti porque é tarefa de quem faz teatro assistir a essas obras, mas honestamente eu num gostei, não. Primeirisimamente porque fala mal de Miguel de Cervantes e não dá pra levar muito a sério alguém que solta vários venenos questionando a qualidade literária de Cervantes. Tudo bem que sua grande obra seja um romance, mas eu acho feio esculhambar um artista para elogiar outro. Fico já de má vontade com essas práticas. Depois, o filme é ruim, o ator principal não tem carisma, o roteiro é previsível até a alma e tem cenas que são uma cópia da versão cinematográfica de Cyrano de Bergerac (de novo) na versão com Gerard Depardieu, que eu adoro! Gosto da direção de arte, da ambientação, da reconstituição história e só. Mas tem que assistir, viu, gente, não dá pra ficar com a minha opinião só, né.

O restante são filmes importantes que mereceriam também ser comentados, mas o post ia ficar imenso e eu com as costas podres...(já sinto uma dor na cervical).

Termino com aquele que jamais pode ser esquecido. Para mim o melhor filme de Almodóvar (todos ótimos). TUDO SOBRE MINHA MÃE fala de tanta coisa, meu pai, que eu fico pensando quem é esse espanhol que consegue fazer tanta coisa num filme só. Alinhavados pela prática do teatro estão na tela amor de mãe, homossexualidade, transexualidade, amizade, AIDS, prostituição, drogas, enfim, como diz minha querida Antônia Pereira: deus, o mundo e as cabras do seu Raimundo. Aqui, no nosso caso, as cabras do seu Almodóvar, esse mestre da ficação e da beleza.

Chega né, gente. Larga essa intenet e vá ver um filme sobre teatro, porque é gostoso demais.

Deliciem-se.

O PALCO NA TELONA - CLIQUE AQUI

Conto com vocês para aumentar essa lista. Indiquem nos comentários deste post novos títulos que eu não conheça ou tenha me esquecido.


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sábado, 27 de agosto de 2011

Vi o luar e Quero Protocolar





Acabo de chegar do espetáculo PROTOCOLO LUNAR, do Grupo OS IMAGINÁRIOS.


O luar, ah o luar!

Um ótimo lugar para recomeçar depois de mais de dois meses afastada das plateias de teatro. Um ótimo lugar para ver e comentar, com todo o carinho e respeito que tenho pelo grupo e seus integrantes. Com toda a emoção e alegria com que saio do espetáculo.

Uma poesia em cena, com imagens encantadoras, com uma atmosfera sutil e tranquila, lugar para ser leve, alegre e feliz.

Tenho o privilégio de ter assistido aos três espetáculos dessa gentil e bela companhia. O primeiro deles, Ciranda de Estórias me encantou pelo apuro estético e pelo vigor artístico-pedagógico que inaugurava na escola (corrijam-me se eu estiver errada) o trabalho com teatro de animação. O segundo, já um espetáculo mais maduro e tecnicamente mais elaborado - para mim o melhor do grupo - uma versão cruel de tão poética da obra de Samuel Beckett, Fragmentos.

Mas, voltemos ao luar, ou melhor, ao PROTOCOLO LUNAR:

A profundidade do belo palco do Martim Gonçalves ajuda a criar aquele universo imenso onde nos perdemos ao som da sanfona de Zé de Rocha e das virtuosas cordas de Tales Braches. Diretores musicais e compositores das canções executadas ao vivo. Belíssimo começo, meninos. A música é, para mim, uma das estrelas do espetáculo. E falar de estrelas num espetáculo como este não é pouca coisa.

O grande trunfo do espetáculo é, sem dúvida, a capacidade de produzir ali no palco, na sua inteireza e consistência, na sua fisicalidade e presença, a poesia, coisa assim tão tênue, tão volátil (eu adoro esse nome) tão etérea.

A presença dos bonecos (confeccionados por parte do elenco) e o belíssimo cenário - da própria Sônia Rangel que também assina texto e direção - junto com a trilha, como já se disse e com a bela luz de Pedro Dutra que não exagera nem na luz nem no escuro - é responsável direta por essa materialização da poesia. Poesia encarnada nas imagens. A força dos bonecos é tamanha que, para mim, o espetáculo começa de fato quando eles entram em cena.

A imponência dos belíssimos adereços já vai nos transportando pelo imaginário da proposta. Os sete livros da velha Senhora são verdadeiras obras de arte autônomas dentro daquele universo. No entanto, a cena inicial com as atrizes (na minha modesta opinião, é importante sempre lembrar) parece destoar um pouco do restante do espetáculo. A interpretação ainda está bastante didática, talvez pelo pouco tempo de espetáculo em cartaz, já que esta é sua primeira temporada. Não sei se é a expectativa da entrada dos bonecos, mas acho que a cena com a Menina e a Senhora fica devendo ao que o cenário propõe. Sinto que as atrizes ainda não estão introsadas (que comentário de futebol este, meu deus!) e que as falas saem ainda sem brilho, decoradas, educadas e disciplinadas demais para uma peça cujo universo é oposto a essa organização.

A narrativa verbal parece querer ser dona da história, sem saber ela que toda a história já está lindamente narrada nas imagens e na presença e interação dos bonecos. O excesso de falas, ainda que falas poéticas na maioria das vezes, faz com que as cenas sem os bonecos sejam um pouco cansativas.
Ainda em relação às atrizes, senti que elas mereciam uma maquiagem mais próxima do universo da montagem, mais ousada, mais inspiradora. O tempo todo eu sentia falta de uma maquiagem poética por assim dizer. O figurino da Menina (interpretada por Juliana de Sá) também fica muito a dever à visualidade da peça. Se o da Senhora (interpretada por Sônia Rangel) dialoga um pouco mais com a proposta do cenário e adereços, sobretudo o seu sobretudo (me permitam a brincadeira infame) o de Juliana passa longe de qualquer apuro na criação. Parece, a meu ver, que foi aquele último detalhe que não deu pra cuidar antes da estreia da temporada. Se for, que este seja um ponto importante para a nova temporada (que com certeza vai haver). Se não for, desculpem esta espectadora ousada e intrometida por demais.

Outro aspecto que a meu ver atrapalha a visualidade é justamente o que para o cenário é uma vantagem, que é a profundidade do palco. Atuando quase que o tempo todo na direita-alta (mais para o fundo do palco) os bonceos acabam por se perder na imensidão do palco. E ainda mais em se trantando de Martim Gonçalves, com uma plateia tão grande. Talvez seja o desafio de numa mesma peça ter que lidar com as especificidades do teatro de imagens e do teatro de bonecos - dos quais eu só entendo como espectadora mesmo. Para mim parece que a profundidade do palco favorece o primeiro e prejudica o segundo.

Eu tenho algumas restrições com peças que acabam-mas-não-acabam. Fico sempre achando que o segundo final tem que ser muito grandioso para merecer a pegadinha. Apesar de achar que em termos cênicos, o primeiro final era suficiente, a alegria e o encantamento da canção que encerra de fato o espetáculo fazem com que eu perdoe os dois finais. Terminei a peça, feliz.

Não posso deixar de comentar sobre a delícia de ver no palco as belas palavras de Sônia Rangel, que tive o prazer de conhecer em seus dois livros CASA TEMPO e OLHO DESARMADO, em suas aulas de mestrado e doutorado, como sua colega nos ofício da docência na mesma e querida Escola de Teatro da UFBA e mais especialmente, no universo criativo, quando seu primeiro livro serviu de inspiração para a construçao do espetáculo DORALINAS E MARIAS do qual fiz parte do elenco em 2009.


A poesia da presença da criança, da alegria, da imagem, da música, do imaginário, dos conceitos, da beleza de existir, tudo isso que caracteriza Sônia como artista, professora e pessoa, estão generosamente colocados sobre o palco e servido a nós, com toda humanidade e bondade que pode ser possível a um ser humano no ato de se doar, ato este chamado fazer teatro. Colocar-se como atriz, dividindo palco com seus alunos e colegas de pesquisa revela a generosidade e sabedoria dessa bruxa-artista que promove nesta linda história de amor sobre o palco, um lindo encontro da plateia com a beleza e a poesia.


Obrigada, Sônia Rangel. Obrigada, meninos IMAGINÁRIOS: Adiel Alves, Cláudio dos Anjos, Heyder Moura, Isis Fraga, Jeane Sánchez, Juliana de Sà, Ricardo Steward, Ruth Marinho, Vera Pessoa, Yarassarath Lyra.


FICHA TÉCNICA - Eu sempre roubo de outro blog.

DRAMATURGIA E DIREÇÃO: Sonia Rangel
CO-DIREÇÃO: Rita Rocha
ASSISTENTE DE DIREÇÃO: Yohanna Marie Assumpção
ELENCO:
Adiel Alves, Claudio dos Anjos, Heyder Moura, Isis Fraga, Jeane Sánchez, Juliana de Sá, Ricardo Stewart, Ruth Marinho, Sonia Rangel, Vera Pessoa, Yarasarrath Lyra
PARTICIPAÇÃO ESPECIAL NO POEMA GRAVADO: Harildo Dêda
DIREÇÃO E PARTICIPAÇÃO MUSICAL: Thales Branche (violão) e Zé de Rocha (acordeon)
PREPARAÇÃO CORPORAL: Saulo Moreira
CENÁRIO E FIGURINO: Sonia Rangel
MONTAGEM CENÁRIO: Zuarte Júnior e Agnaldo Queiroz
CRIAÇÃO E REALIZAÇÃO DOS BONECOS: Jeane Sánchez, Juliana de Sá, Rita Rocha, Sonia Rangel, Wilson Júnior, Yarasarrath Lyra
CRIAÇÃO DE LUZ: Pedro Dultra
OPERAÇÃO DE LUZ: Camila Guimarães
FILMAGENS PARA A CENA: Mariana Dornelas
COMPUTAÇÃO GRÁFICA: Leandro Sena
OPERAÇÃO DE SOM E DE IMAGEM: Móises Victório
MAQUIAGEM: Renata Cardoso
FOTOGRAFIA: Isabel Gouvêa
CARPINTARIA: Ademir França
METALURGIA: Lico Santana
PROGRAMAÇÃO VISUAL: Solisluna
PRODUÇÃO: Sonia Rangel
ASSISTENTE DE PRODUÇÃO: Yarasarrath Lyra com colaboração do Grupo Os Imaginários

sábado, 20 de agosto de 2011

INSPIRAÇÕES

Algumas imagens me convocam a criar.
 
Sempre quis fazer um espetáculo que levasse ao palco a sensação que tenho ao ver o copo de escovas de dente na pia. Esta é uma imagem que me convoca, me inspira me intriga.
 
Ela fala pra mim das relações da casa, da família, das visitas que vão e vêm, enchendo e esvaziando este espaço de convívio. Juntinhas, as escovas de dente encostam pés e separam cabeças com cedras que arrepiadas indicam o tempo passado e juntinhas, durinhas, indicam sua antipática e dolorosa juventude.
 
Amo as quatro escovas coloridas, pedaços de mim, meu amor e nossos filhos. Somos nós, dentro daquele copo. Em Jequié, minha escova pende em diagonal, sozinha no banheiro do fundo. Tão eloquente!
 
Outra coisa que me inspira são nomes para possíveis peças que eu faria. Como a imagem das escovas, eu não penso em mais nada além disso, desse impulso inspirador. Não sei avançar. Não trabalho nisso. Curto sozinha a criação. Isso é horrível.
 
São nomes que eu adoro. Como já quis botar em meus futuros filhos, quando eu tinha 15 anos, nomes como Cibalena, Adis-Abeba, Atrib, penso em nomes de espetáculos que me ganham pela sonoridade.
No momento, divirto-me com uma peça em minha cabeça. Seu nome?
 
Avec la participación....
 
Eu adoro ler isso nos filmes franceses ou em produções mistas. É tão sonoro, tão bonito. Aí, eu passo os dias vivendo este espetáculo. Penso nas cenas, vejo, me divirto... Avec la participación...
 
Mas, depois ela passa.
 
Tantas outras que eu já pensei, senti e conclui, sem nunca sair de mim. Isso é que eu chamo de teatro íntimo.
 
Adriana Amorim em: Avec la participación....
 
kkkkkkk. Adoro!
 
O que tem me incomodado porém, é que da fase da inspiração eu não passo. Falta trabalho.
Falta trabalho, porque é trabalho demais.
Ouço Mautner, Arnaldo Antunes, Gilberto Gil, Amy, leio Clarice Lispector, vejo a porra de sua entrevista, meu deus.... Queria fazer poesia ou música, tão mais paupável que teatro. O fazer mais pessoal, mais íntimo, mais possível...
Fazer teatro é difícil demais, minha gente. É um negócio grande, tão grande, envolve tanta coisa.
Num podia ser só isso, no nosso quarto, com a gente mesmo.
 
Ser atriz é uma escravidão.
 
Queria ser Cantora, compositora, escritora, pintora, escultora, afi Camile Claudel.
 
Mas canto e me dou conta que sou só atriz.
Escrevo e me dou conta de que sou só atriz.
Pinto e e me dou conta...
 
Quanta crise para quem ia falar de inspiração.

Mas, entre as escovas de dente e os títulos lindos que me enfeitam o dia-a-dia de professora e mãe, vou vivendo estes anos que passam tão rápido, como ônibus em estrada bem asfaltada.
Dentro de minha cabeça tem um mundo lindo. Mas não sai de mim. Ou aprendo a tirá-lo daqui, ou aprendo a ser feliz assim.


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segunda-feira, 1 de agosto de 2011

SEGUINDO MACBETH - EM CARTAZ NO XISTO BAHIA

Seguindo Macbeth
O rebanho de atores tem no imaginário popular sua maior referência. A teatralização do cordel Militão, Brosogó e o Diabo, de Patativa do Assaré, ou a cordelização do clássico francês de Edmond Ronstand, Cyrano de Bergerac são talvez nossos maiores ícones.

Mas, em 12 anos de existência, o rebanho não se acomodou nessa compreensão estilizada do popular e boa parte destes anos de trabalho é dedicada ao estudo da obra de William Shakespeare, o grande homem do teatro popular.

Adaptção do rebanho de atores - Prêmio Carlos Petrovich - FUNCEB

O Sertanejo, Os Ovos de Militão















Alam Félix além da paixão incodicional pelo bardo inglês, tem um aprofundado conhecimento de parte de sua obra, das teorias sobre seu trabalho e de sua biografia. São horas e horas de leitura diletante, por puro prazer. De Heliodora a Harold Bloom, ele lê como se lesse um romance leve. E eles não são leves. Não pra mim...

Eu respeito o ídolo, mas a paixão não chega a ser nada avassalador. Admiro seus diálogos, os personagens me encantam, as histórias, e muitas das re-leituras de sua obra também me chamam atenção, mas definitivamente não é minha grande tara.
Do Cyrano, adaptação do rebanho de atores para Cyrano de Bergerac, no auditória do Colégio Noêmia Rêgo, em Valéria. Projeto vencedor do Edital Myriam Muniz de Teatro - 2007

Talvez por isso mesmo, em determinado momento do grupo, nós nos dedicamos a nossos projetos pessoais. Eu toquei o Solo Compartilhada, com texto e direção minha, inspirados em Denise Stoklos, Caetanos Veloso, Torquato Neto e, sobretudo, na minha cachaça particular, Adélia Prado. Alam tocou Seguindo Macbeth.



Seguindo Macbeth ficou em cartaz na Sala 5 da Escola de Teatro, como mostra da disciplina na qual foi gerado, depois apresentou-se no Festival da Cooperativa, o Lá Vem a Cooperativa Ano II, e em uma versão reduzida, com direção de André Mustáfá, foi um dos finalistas baianos do Festival de peças curtas do Rio de Janeiro.
Nesta adaptação, a figura do rei sanguinário ganha as ruas de um lugar qualquer, de um tempo qualquer e suas inquietações, dúvidas, vaidades, maldades desfilam na nossa cara, de um jeito agressivo, cruel, tosco.
Um exercício de pesquisa de ator, de experimentações cênicas, de transposição de universos, enfim, uma ousadia que talvez incomode, mas que em nada deixa a desejar às inúmeras experiências contemporâneas de encenação.

Deixo o restinho para vocês irem conferir e volto a comentar depois da estreia, com direito a Gol do Espetáculo e Dez Minutos com...
Vejo todos lá, nas quintas-feiras de agosto, sempre às 20h no Xisto. Eu não me lembro o valor do inrgesso, porque sabem como é, né, a pessoa tá em Jequié e não dá pra produzir nessa loucura.

Vale sempre lembrar que esta temporada faz parte do projeto COOPERATIVA EM CENA que durante todo o ano ocupa diversos teatros da cidade com espetáculos do repertório de seus grupos. vale a pena entrar no blog da cooperativa (clique aqui) e conferir a programação.

Espero vocês no teatro e depois a gente toma um café aqui no blog, debatendo e comentando a peça do meu querido parceiro de grupo e amor pra vida toda...


SERVIÇO

Seguindo Macbeth
Texto: Cícero Ferreira
Direção e atuação: Alam Félix
Teatro Xisto Bahia
Todas as quintas de agosto
20h



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