sexta-feira, 20 de abril de 2012

EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DA TIRANIA

Se Paulo Freire estivesse vivo ou a educação seria diferente, ou ele enlouqueceria e sairia doido correndo.


O que se tem praticado nas escolas de ensino básico hoje em dia, muitas vezes em seu nome, pobre Paulo Freire, é impressionante.

Vamos começar pelas atrocidades do currículo mínimo.

Quem vai ter coragem de admitir, por exemplo, que o ensino de Inglês no Ensino Básico é uma firula total? Não se aprende nada de útil nas aulas de inglês, nada. Verbo to be, presente, passado e futuro e olhe lá. O que se lê, se conversa ou se ouve com essa titica de informação? Para que serve esse inglês mínimo se ele não te ajuda a ler nada, nem a travar a mais infame conversa. Pra que, então, aprender o mínimo do mínimo da gramática inglesa se jamais se usará aquela regra fora de um contexto de "responda às questões abaixo". Eu não aguento mais gastar fortunas com livros bonitinhos que vêm com cd'zinho e que toda unidade, toda unidade eu explico a mesma coisa pra Hannah. Ela já comprovou sua inteligência e capacidade cognitiva em outras experiências educacionais. Se ela não aprende aquilo por mais que aquela lição se repita (e como ela se repete) é pelo simples fato de que aquilo não faz o menor sentido na vida dela e que portanto, sabiamente, sua memória apaga.

As tarefas de Português, redação e gramática do Fundamental I viraram verdadeiras teses de doutorado. Os termos usados são simplesmente surreais em se tratando de eudcação de crianças. E o argumento é sempre o mesmo e torpe argumento da preparação para o vestibular. Que ódio!

João tem tomado ódio mortal da escola. Quando ele não está na escola, ele está fazendo tarefa. A escola em que ele estuda, considerada uma das grandes escolas da cidade, passa uma maratona diária de tarefas que é assustadora. João não tem mais tempo de brincar, de ver TV, de ler o que realmente gosta, como quadrinhos e revistas e nem de ficar apenas existindo.

E como ele sofre com as tarefas. Também não é pra menos. Textos de mais de duas páginas, retirados de revistas como a Veja (SOCORRO!!!!) com temas clichês como sustentabilidade (será que a escola tem lixo seletivo?) Saúde (a cantina não oferece lanche natural) e tolerância (a escola está preparada para os estudantes gays, ateus e outros diferentes?) Uma moralidade tosca e torpe que me envergonha e me irrita.

Há tempos que estou pelas tampas com a pedagogia atual.

A maioria das pedagogas (como tem mulher nesse meio, gente) tem um discurso moralista de quem sabe tudo, de quem já estudou tudo e de que as teorias cognitivas dão conta da vida. Não dá mais pra conversar com coordenadoras pedagógicas sem sentir vontade de dar-lhes na cara. Elas dão aquele riso cínico dos que julgam saber tudo e lhe metem na cara uma frase onde citam pelo menos três teóricos da educação, meia dúzia de teorias e ainda com o sorrizinho cáustico, terminam com o célebre: "não é, mãe?"

Que vontade de matar!

O que me mobilizou a escrever foi uma tarefa de João que tem a pergunta cavernosa: "Na conclusão do texto, foi feita uma citação (...) Em sua opinião, essa citação fortalece a argumentação do texto?"

Gente, eu tô exagerando ou FORTALECER A ARGUMENTAÇÃO não é coisa pra criança normal  de 9 anos?

E tem mais, João tem que fazer resenha dos textos lidos, como estratégia para ele gostar de ler. HAHAHA. Qualquer estudante de graduação sabe que depois de uma RESENHA ninguém mais vai gostar de ler. Gente. Resenha na 3ª série é demais, eu tenho certeza.

Fora as atrocidades conceituais contidas nestes textos que ele tem que ler todo santo dia. Esse, sobre o dia do livro:

"Não existe melhor veículo cultural do que o livro. O grau de civilização de um povo pode ser medido pela quantidade e qualidade dos livros que lê. O livro é o meio insubstituível da difusão da cultura, transmissão do conhecimento, do fomento à pesquisa social e científica".

Ok, quer falar bem do livro, ótimo, eu concordo.

Agora jogar fora toda a tradição oral, todas as demais formas de cultura, como a música, as danças, os filmes, as festas, é um pouco demais, não?
E todas as pessoas da família do meu filho que não foram alfabetizados? Não sabem de nada da vida? Não têm cultura? Como um texto pode trazer preconceitos como este?

E ainda pedem uma resenha sobre esse texto. Há, se a gente dissesse o que relamente achou do texto, João não entrava mais na escola. Sim, a gente, porque as tarefas são um convite à mãe ou à tia da banca ajudarem na resposta. É evidente!

E as professoras preferem as respostas certas feitas a quatro mãos (quando não só pelo adulto) do que as respostas irregulares, incompletas talvez do conceito que se queira, mas plenas da capacidade da criança de se expressar. A carinha que João faz diante das perguntas cavernosas é de dar dó! É como se ele soubesse que o que ele quer dizer nãov ai servir e aí ele fica procurando qual a resposta que ele deve dar. Que tristeza.

Sobre essa tristeza da criança diante da escola, Adélia Prado comentou lindamente, num texto que transcrevi num post no FUTEBOL DE ARTISTA. Para conhecer o post clique aqui.
E ainda tem outra coisa. Perguntas disfarçadas de democráticas, como por exemplo: "Na sua opinião...", "o que você entendeu por..." "o que você acha de...." e depois, na correção, corrigem o que a criança escreveu. Oxente. Se tá perguntando o que a criança acha, qualquer resposta estará certa. Eu já briguei na escola de Hannah, há alguns anos atrás porque isso aconteceu numa prova. Eu fiz a professora dar o ponto, porque a pergunta era: "o que você acha". Qualquer coisa que se responda vai estar certa, é o que a pessoa acha.

Enfim. Desabafo porque estou irritada com a escola de João que apesar de falar de teorias de desenvolvimento numa perspectiva humanista, não passa de uma prisão de conceitos, preconceitos, metodologias e estratégias que nada mais fazem do que coibir o prazer, a brincadeira, a diferença no aprendizado.

Por exemplo, anteontem, eu estava narrando um acidente que houve aqui na rua para Alam, por telefone e no final da conversa João, que ouvia a história me mostrou uma sequência em quadrinhos sobre o que eu tinha narrado. Ele não sabia do acidente até então. Impressionante a capacidade de expressão dele. Cada quadrinho era uma parte da história. Lindo. Aí, ele quis levar para mostrar pra professora. Eu já sabia o que o esperava, mas deixei. Aprende-se de tudo na prática! Quando ele chegou eu perguntei como tinha sido. Ele disse, não para minha surpresa: "Ah, ela não quis ver, não, disse que já tinha visto na TV".

É disso que eu estou falando. Mil textos por dia e nenhuma capacidade de valorizar o que ele fez por conta própria, por prazer, através de outra linguagem, de outra fonte de expressão e conhecimento que não apenas o livro. Eu vou acabar tomando raiva da hegemonia do livro.

Não é à toa que a escola é o lugar mais detestado por crianças, adolescentes e jovens.

Eu não acredito mais em educação formal e espero, com minha indignação, que eu possa me juntar aos que também estão tentando outro tipo de educação, que eu sei que não são poucos, são apenas evitados.

Fica o desabafo, o registro e a indignação.