segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

UMA PRAÇA E UM VIOLÃO

Foi apenas disso que Dona Maria da Graça Costa Penna Burgos precisou para encantar ainda mais o natal de Vitória da Conquista.
"Onde o que eu sou se afoga!"

Eu nem sei direito por onde começar, ou mesmo o que escrever depois de tão linda experiência.

Ela entrou no horário marcado, com a delicadeza de diva. Aparentava  um certo receio, parecia acanhada e eu diria até que talvez tivesse exagerado na dose de Rivotril. No asfalto, nos perguntávamos qual seria o repertório. Ela escolheria as mais famosas ou cantaria as novas canções?

Na imensidão do pequeno palco, apenas um respeitável violão, com seu tocador a postos. E ela surge, elegante, toda de preto, com seus belíssimos e inconfundíveis cabelos negros, livres e autoritários!

Ela foi tirando da manga uma arsenal de encantos e aos poucos, o que não é novidade, foi ficando com a plateia na palma das mãos. A cada nova canção, a gente era mais escravo daquela voz que é um privilégio poder ouvir pessoalmente.

E atacou de Bossa Nova, de Chico Buarque de Caetano Veloso.

E a praça era um aglomerado de gente feliz, com os braços pra cima, olhando ora pra diva, ora pra os amigos, como se fosse fim de festa, todo mundo cantando junto, naquele calor humano que fez Conquista suar. Um céu lindo de estrelas cobria  festa.

A todo Vapor de 1971
E no meio dessa paixão mútua, sem excessos, sem desperdícios, as cordas do violão me dizem que ela vai entoar aquela poesia mágica e dilacerante de Wally Salomão.

Sim, nos primeiros acordes, os viciados já sabiam: lá vem Vapor Barato! Eu, em transe, fechei os olhos e aproveitei esse momento de contar pros netos um dia. Ela dominava aquela praça com apenas três armas: as cordas daquele impressionante violão, os versos do poeta jequieense e as vocalizes pelas quais ela será eternamente lembrada.

Eu me arrepiava e dizia: o mundo já pode acabar!

Eu só imaginava, ao olhar para aquela mulher iridescente, toda sua trajetória, toda a sua ousadia, beleza, vigor que durante tantos anos estiveram presentes nos palcos do mundo. Lembrava de todos os documentários e tapes de shows que assisti e sempre me vinha à mente a imagem daquela mulher magra de cabelos negros, com aquele sorriso agressivo e uma audácia contagiante e desconcertante. Uma estrela! E ao mesmo tempo, sentia-me tão feliz de minha filha de 14 anos estar ali, dividindo comigo essa experiência de se levar pra sempre. Aprendendo essa coisa toda de ser grande e de ser feliz, assim, só por ser artista! Um aprendizado!

Daí para o final da festa, tivemos Força Estranha, pra emocionar, Festa do Interior pra desopilar, e Gabriela pra lembrar que a gente é povo e que povo tem uma mania danada de ser feliz, contra tudo e contra todos!

Índia, álbum de 1973
Fico imaginando Gal Costa, a grande Gal Costa, intrépida, mulher ousada, bela como ela só, viajante do mundo, ícone de uma geração, agora mãe, madura, meio cansada, mas nunca menos diva, ali, naquele palco em plena praça na caatinga baiana, cantando para pessoas de diversas idades, classes sociais, gêneros, tribos. Senhorinhas na plateia, sentadas em frente ao palco ou amontoadas na frente, dançando como se nem lembrassem das restrições médica. Fico pensando o que é para essa mulher, artista do mundo fazer parte de um projeto deste, olhar pra frente e se deparar com tanta beleza, com tanta verdade e simplicidade.

Que o Natal da Cidade continue a promover belezas como essa, momentos de puro deleite e glória.

Obrigada, Gal Costa pela sua obra, pela sua elegância, pela sua luz! Obrigada pelo acertado repertório no mais puro estilo THE BEST OF... que foi um acerto sem precedentes. Conquista, em coro, lhe respondeu cantando, como num rito religioso, pois tudo que se viu naquela noite, pelo menos do pequeno pedaço de chão onde eu me encontrava foi o mais puro RELIGARE que se pode experimentar.

Feliz Natal, grande diva!


Feliz Natal, minha Gal!


Gal Costa e Luiz Meira ao violão em noite iluminada em Vitória da Conquista - Foto Vítor Nascimento


sábado, 15 de dezembro de 2012

Vai que o mundo acaba...

Calendário Maia

A primeira vez que ouvi falar sobre o fim do mundo marcado para 2012 foi em 2007, através de uma grande amiga-irmã, bastante espiritualizada, que me falou na ocasião não apenas sobre as grandes transformações pelas quais o mundo passaria nesta ocasião, mas também sobre a existência de crianças índigo.

De lá pra cá, esta data tornou-se uma obsessão na minha vida. O 21 de dezembro eu só descobriria mais tarde e já nem me lembro como foi.

Sei que no meu processo de amadurecimento tem sido importante ter uma possível (e sonhada) data limite. Um marco. Um dia 'D'. Posso afirmar que passei esses quatro anos dedicando-me ao fim do mundo, de uma forma ou de outra, mesmo que entre as quatro paredes do meu pequeno ser. Eu adoro a ideia de que o mundo vai acabar. Não tenho tendências suicidas, mas acho morrer uma ideia fantástica!

Ontem, voltando de Jequié para Conquista, numa das últimas viagens que faço, caso o danado do mundo se acabe mesmo, sem conseguir dormir, me pus a pensar no que sentiria falta, depois que o mundo se acabasse.

Fui me dando conta de que mesmo cansativas na maioria das vezes, me fariam falta essas viagens de lá pra cá. Essas horas de olho na estrada, no sol da manhã ou no nascer da lua. Faria falta também a lida dentro da sala de aula. De modo algum lamentaria o fim das reuniões de departamentos, os protocolos e as burocracias. Podem ir em tsunamis, essas baboseiras. E os comprovantes do Curriculo Lattes, eu jogaria fora eu mesma, pouco antes do mundo acabar. Que fiquem na memória.

Dos meus amigos de hoje, de ontem e os de sempre, eu sentiria muita falta, caso não fossemos para o mesmo lugar.

As músicas que quero morrer ouvindo, nem que seja em pensamento, dei-me conta que são todas de gente nossa, ou vizinha. Queria que o mundo se acabasse ao som da Ária das Bachianas nº 5 do louco do Villa-Lobos, de Años de Soledade, de Piazolla e se a desgracera for demorada, toca o cancioneiro de Luiz Gonzaga e Elomar que eu morro feliz!

Se do lado de lá tiver uma ante-sala pra receber a gente, porque mesmo com três destinos possíveis, é muita gente morrendo ao mesmo tempo, vai dar uma confusão doida... Eu espero que não tenha as insuportáveis televisões que invadiram restaurantes, supermercados, consultórios médicos, a porra toda, mas vai lá que tem uma tela pra gente se distrair. Ah, eu queria assistir Tudo Sobre Minha Mãe do poeta transgressor Almodovar, e também Eternamente Pagu de Norma Bengel, que me lembra tanto eu mesma. E queria ver também, antes que me chamassem O Marido da Cabeleireira  do francês Patrice Leconte. Mais por mim, do que por elas.

E se servissem uma boquinha pra gente não morrer de novo, agora de fome, eu pedia um cuscuz com ovo frito com cebola e uma média sem açúcar, que eu acabei me acostumando. Mas, bem quentinho o café, viu, que café frio é o inferno!

Se eu pudesse ler um livro, antes de ir pra sempre pro lado de lá, eu pedia pra ler de novo Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marques. E se desse tempo, pedia pra me trazer um exemplar de Cacos para um Vitral, de Adélia Prado. E já que o mundo vai acabar antes de minha promessa: desce um Domeq com mel e limão que eu morro doce e temperada!

E se tivesse interrogatório lá na porta de onde quer que eu estivesse, eu ia tentar responder coisas que tento responder agora:
Paulo Ricardo e o cabelo Pigmaleão

Amei tudo o que vivi. Amei ser professora.
Amei toda e cada vez que raspei a cabeça. Amei todas as cores que os pelos já tiveram.
Amei todo e cada homem que amei.
Amei todas as cidades que visitei.
Amei todas as dores das quais sarei.
Amei a moda 80 com calça-pra-que-blusa, biquine asa-delta e cabelo pigmaleão.
Amei a internet, o orkut, o messenger. Amei tornar-me blogueira.
Amei tantas risadas que dei, meu deus como eu sorri, mesmo sendo tão chorona.

Bicicleta, bicicleta! Eu amo bicicleta e tricô!

Amei as cores do meu Baêa e todas as alegrias que meu time me deu.
Amei o Porto da Barra, a Lagoa das Bateias e a Rua Augusta.

Bom, chega de amei isso amei aquilo.

Vai que o danado do mundo não acaba e eu com tanta coisa pra fazer do dia 22 em diante.
Tanta coisa ainda pra viver. E tanta coisa pra aprender. Pra descobrir e pra fazer.
Vou voltar aos braços dos meus filhos, marido, amigos, família, alunos. Volto para os livros, os palcos, os blogs...

E eis que inspirada no fim do mundo, a inspiração para o post acabou por aqui e eu termino ele assim, sem graça e sem frase de efeito. Vai que o mundo vai é acabar assim: sem graça e sem plantão!

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

CENTENÁRIO DO VELHO LUA

Hoje, dia de Santa Luzia, protetora dos olhos, é o centenário do Velho Lua, querido poeta do sertão.

Pouco a dizer de tão expressivo artista, um dos maiores do nosso país que representa o homem simples e complexo do sertão.

Deixo apenas meu sincero abraço e minha devoção a este cabra forte que sempre, sempre, sempre me emociona.

Obrigada, Véi Lua!



terça-feira, 11 de dezembro de 2012

VOU WALLY E NÃO VOLTO MAIS... Algaravias o Marujeiro da Lua




A partir do dia 13 de dezembro e até o dia 16 do mesmo mês, estará acontecendo o espetáculo/jogo construído a partir das provocações da obra e vida (que sempre foram a mesma coisa neste caso - e quando não é? enfim...) do poeta mundano-jequieense Wally Salomão. Esta obra é resultado do trabalho intenso (e bota intenso nisso, né galera) do Grupo de Pesquisa Olaria (GPO) da Universidade Estadual da Bahia (UESB) sob coordenação e regência do Profº Roberto de Abreu, que não por coincidência nem por foça do destino, mas por obra de seu intenso trabalho e inteligência, uniu sua prática como professor e artista a sua pesquisa em nível de doutorado sobre as três dimensões do jogo: dimensões estas referentes à formação do professor de teatro, à criação cênica e à espetacularidade do jogo como obra (in)acabada, para ficar de bem com Eco e Pareyson.

(Tá certo até aqui, Beto?)

Mas este post está muito pouco algavárico!

Tive o prazer e privilégio de assistir a um ensaio dessa trupe de jogadores que levam o termo a sério e se jogam de peito aberto no mar ora calmo ora intempestuso da cena.


O espaço já é um convite aos sentidos: O MUSEU HISTÓRICO DE JEQUIÉ numa das avenidas mais movimentadas da cidade. Um lindo imóvel branco e azul que impressiona, seduz e assusta por motivos que só você estando lá para conhecer. O ar lá dentro já é diferente. Mais puro talvez. Ar de espaços distintos do cotidiano. Gostoso.

O branco e azul de fora dão lugar a uma profusão de cores e estímulos lá dentro. Opa, sinto que não posso falar muito.

Deixo pra falar quando a temporada acabar, essa primeira, pois que venham muitas.

A poesia de Wally é daquelas tarjas-pretas que os terapeutas e psicanalistas deveriam receitar. Mudam tudo na gente. Acho que não receitam porque podem não dar conta dos efeitos colaterais. Pois, ora, se o 'normal' enlouquece com suas palavras e ritmos o que acontecerá ao já diagnosticado 'estranho'?

Bom, eu que sou estranha assumida, fiquei ainda mais e saio da SALAMANGUE completamente enebriada, louca para me aprofundar no universo desse marujeiro louco e eterno.

Que seja louca e eterna, meus queridos parceiros de sala, palco e vida, essa experiência e seus desdobramentos...





O QUÊ?
“Algaravias- O Marujeiro da Lua” Um espetáculo/jogo que se baseia na vida, na obra, e na poética do poeta jequieense Waly Salomão.
QUANDO??
De 13 a 16 de Dezembro de 2012, às 20:00h. (QUI à DOM - ingressos distribuídos uma hora antes no Museu).
ONDE?
No Museu Histórico de Jequié.
QUANTO?
Um livro de poesia.

Grupo de Pesquisa Olaria (GPO)
"Jogos Performativos" - PIBID-UESB CAPES
"Jogo e Cena: Política Poética e Estética" Pesquisa UESB
Formação de Espectadores - PROCENA (Programa de Extensão em Artes Cênicas/UESB

Ficha Técnica/escalação:

Direção e Dramaturgia: Roberto de Abreu
Assistência de direção: Silvana Ribas

Jogadores:
Emanuelle Nascimento
Jomir Gomes
Matheus Xavier
Mônica Alves
Mylena Oliveira
Pyter Rodrigues

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Ao gestor, um post novo


Cessados os ânimos e reduzida a enxurrada de 'indelicadezas' talvez seja a hora de começarmos a tentar buscar a gênese de tamanha comoção.

Eu, simples atriz, professora, espectadora, desavisada e ingênua, emergi de paragens ciganas e ofereci meus saberes e olhares ao diálogo com uma classe que eu julgava parceira e colega de profissão. Ofereci meu horizonte na condição de jurada e ofereci minha casa, este blog aberto para um café com bobagens, onde o café foi pouco, já o acompanhamento... farto.

E do cansaço do fato dado e do seu rescaldo, em silêncio contemplo, então, mais nada a revelar.

O que se pode ler, talvez, no arroubo e no pahtos que se apresentaram em ocasião tão oportuna, seja um importante sinalizador de como a falta de investimento direto, concreto e contínuo na formação e na produção artística da cidade acabou por levar a auto proclamada 'classe teatral' a um deus-nos-acuda sem precedentes .

Quem esbraveja palavrões e ofensas pessoais, em detrimento do diálogo e do argumento o faz na falta de ferramentas melhores para lançar mão. Ao ler nova e cuidadosamente o assunto no blog, post a post, comentário por comentário, vejo o semelhante entrar em confusão.

Como é desagradável o tal do Anônimo (que virou uma entidade)!

Mas ele não é o único nem ao menos o principal responsável por sua própria incapacidade argumentativa.

Sua fragilidade se revela fruto da falta de diversidade de experiências formativas, na falta de um repertório estético com o qual possa dialogar, na falta de experiência política e social de saber se portar em grupo e em público, na falta de educação ao lidar com um semelhante. Tem culpa o pobre coitado de ser assim tão despreparado para um debate sobre o tal do 'futuro do teatro conquistense'? Teria, se as oportunidades lhe tivessem sido dadas e desperdiçadas, mas, pergunto-me: foram?

E os que estão do outro lado?

E os que não estão de lado nenhum, porque entendem que não há lados?

Fatigado e farto de clamar às pedras, talvez este tenha preferido, diante de tão desastroso fórum,  não debater, porque aqui do jeito que a coisa anda, qualquer 'ai' que se diga, estará nada mais, nada menos do que legitimando a baixaria como forma de protesto, ou de manifestação pública. Seria como pregar no deserto, pois a incapacidade do diálogo ficou evidente. E também, cá pra nós, não é espaço legítimo para um debate tão sério e caro para uma cidade, este blog, onde eu falo como administradora e os demais comentam como visitantes provocações sugeridas por mim. Eu tenho plena consciência de que isso tá indo longe demais no lugar errado, do jeito errado. Mas, se foi assim que se deu, que seja. Minha participação neste evento já deu! Já foi! Chega. 

O que acho importante, na minha saída de campo, é deixar para os gestores da cidade que me orgulharam com o convite, algumas reflexões que nada têm de originais e que são, eu sei, cantilena da classe há anos:

Guilheme Menezes Prefeito re-eleito de Vitória da Conquista

A cidade de Vitória da Conquista não pode mais prescindir de uma Secretaria de Cultura autônoma, independente gerida por um artista que se revele competente no jogo burocrático que a função exige, mas que não perca jamais, na mesa de negociações com quem quer que seja, a sensibilidade e a transgressão próprias da experiência artística.

A hora é essa! (Na verdade já passou da hora, mas se não foi até agora, que seja a partir de agora!)

Conquista não pode, não deve não quer ser uma cidade tal como Salvador, que não oferece nada de substancial em termos de políticas públicas para todas as linguagens. Salvador não tem um teatro municipal (o Gregório de Matos está fechado há anos!!!), não tem um edital de montagem ou circulação, não tem instrumentos de formação em arte. Acha e faz o povo crer que o Governo do Estado é a prefeitura da capital e sente-se coberta pelos editais e políticas estaduais que de uma forma ou de outra acabam privilegiando projetos da capital e acalmando a massa. O resultado se vê nas ruas. A cidade está morrendo, sucumbindo tristemente!

Há tantas outras cidades que podem servir como modelo de gestão cultural. Cidades do interior de São Paulo, como São José dos Campos, que tem um Encontro Anual de Cultura Popular, com apresentações acadêmicas e uma farta programação cultural e artística. Cidades, como Guaramiranga no interior do Ceará que tem seus calendários de editais de montagem e circulação, de ocupação dos centros, de eventos formativos como fóruns, congressos, festivais, mesas redondas, oficinas, intercâmbio. Como é possível para uma secretaria que na verdade são quatro, dar conta de tanta demanda? Na real? Não é possível!

Respeitável Sr. Prefeito a quem eu admiro tanto, porque conheci a Vitória da Conquista da década de 80 e conheço a de hoje, te digo com pureza de menina: serei eternamente grata pela grande revolução a que você Guilherme Menezes deu início na sua primeira gestão, e já lá se vão 16 anos ou mais. A marca de seu trabalho estará sempre associada ao desenvolvimento vertiginoso dessa agora metrópole. A ousadia que o senhor usou no enfrentamento dos cartéis do transporte público, a moralização do tratamento com o funcionalismo público e o pagamento em dias, dos proventos fortalecendo a dignidade do trabalhador, a coragem da implementação do orçamento participativo, a revolução na criação dos centros de saúde por bairros e o atendimento domiciliar, todas essas qualidades, que o senhor já provou ter, estão sendo aguardadas ansiosamente no campo da cultura.

E digo ainda mais, se me permite a ousadia o senhor que é da área de saúde: investir em cultura e arte é, irremediavelmente, investir em saúde, educação e redução da violência. É seu efeito colateral!

"Dê ao homem apenas o que ele necessita e ele terá se transformado num animal", nos disse o bardo inglês através de seu príncipe dinamarquês confuso!

Na Grécia Antiga, os médicos receitavam peças de teatro para esta ou aquela enfermidade, a depender do que carecia o paciente e do que ofereciam em termos de sentimentos aquela tragédia ou essa comédia. A experiência artística potencializa substâncias que o corpo precisa e a alma experimenta.

Arte e cultura são balaústres da saúde pública, coletiva, social!

A capacidade de abstração, desenvolvida na experiência artística, já ficou comprovado por estudos sociológicos, reduz índices de violência, desde a violência doméstica até as mais temidas violências urbanas.

Conquista é uma cidade antenada com o mundo. Não ter uma Secretaria de Cultura em quase duas décadas de gestão participativa parece um contra-senso  O alinhamento vertical das gestões municipal, estadual e federal é quase um alinhamento cósmico raro e deve produzir no campo da cultura e das artes o mesmo bem que vem produzindo na dimensão econômica e social, porque dela também faz parte. O Ministério da Cultura e a Secretaria Estadual da Cultura (que na gestão de Márcio Meireles caracterizou-se pela interiorização das ações e na do Profº Albino Rubim identifica-se pelo investimento na formação em artes) podem, sem sombra de dúvidas, auxiliar nossa cidade na construção, estruturação e manutenção desta nova e urgente secretaria.

E para encerrar minha argumentação, não posso deixar de declarar o lugar de onde falo. Além de Conquistense de nascença, atriz de formação sou também professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, que teve a ousadia e a coragem de sediar os primeiros cursos de artes do interior da Bahia. Uma verdadeira revolução na Instituição. O bacharelado em Cinema em nossa cidade e as licenciaturas em Teatro e Dança em Jequié (onde há muitos estudantes de Vitória da Conquista) vão gerar uma demanda imensa para a cidade e uma secretaria preparada para esta realidade precisa ser pensada e implementada urgentemente!

Talvez assim, depois da criação desta secretaria, da elaboração e implementação de políticas públicas contundentes e concretas não haja tanta dor e desespero ao emergir das entranhas uma beleza estranha, mas ao invés disso, num esplendor de glória, se aviste u'a grande luz!

Vô prossiguino estrada a fora, até porque eu acho que já escrevi mais do que devia e se alguém postar um comentário de que eu já tô passando do ponto, eu vou até concordar. Mas, como o nosso personagem, o Anônimo, não tem culpa das besteiras que diz, também não sou tão responsável pelas supostas besteiras que faço. Faço-as porque me sinto condicionada a elas, porque  tudo o que vivi e aprendi me trouxeram pra este lugar, pra esta cidade, pra esta universidade, pra este corpo de jurados, pra este festival, pra este blog, pra este post, pra essa esse parágrafo final.

As reflexões propostas aqui são fruto de intenso e contínuo debate com colegas da lida, amigos da vida, parceiros da arte. Sua escrita foi embalada pela inspiradora canção A MEU DEUS UM CANTO NOVO do queridíssimo Elomar Figueira, meu poeta favorito, que não trata deste assunto, mas me inspirou, e essas são coisas de processos criativos, fazer o quê?  

Os artistas clamam, cada vez mais alto, Sr. Prefeito:


Sê cult, Guilherme, SECULT!!!


Evoé, Conquista!

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

DUCHAMP: Um Osso Duro de Roer: Uma parábola sobre a 'verdadeira' arte!

A Fonte, Marcel Duchapm, 1917

Em 1917 um artista francês, depois de ter provado durante anos que era um exímio pintor, colocou no museu como proposta de obra de arte um (hoje) famoso urinol, que não tinha sido feito por ele nem por nenhum outro grande artista. O que ele fez foi apenas pegar um objeto do dia-a-dia e colocar num espaço que se queria, deliberada e exclusivamente, artístico.

Não era o primeiro ready-made, mas, sem dúvida foi o mais polêmico.

A façanha tem quase 100 anos, mas ainda está longe o dia em que seu ato contundente e vigoroso será apenas um detalhe no mundo das artes.

Ao propor esta obra de arte, Duchamp que já era e ainda seria muito mais polêmico ao longo de sua brilhante vida, pegou o mundo pela gola, o sacudiu e disse:

O QUE É ARTE, AFINAL?
O PRODUTO?
A RELAÇÃO?
A PROPOSTA?
O CONCEITO?
O DISCURSO?

Isso tudo porque o mundo da arte havia desde já virado uma grande indústria. Um palco onde deveriam brilhar apenas alguns escolhidos, aqueles que demonstrassem para um público que se entendia sabidinho e inteligente que o tradição era posto, que a obra deveria ser avaliada apenas pela importância de quem assina, e que o artista deveria passivamente demonstrar habilidades, reproduzindo peças que se diziam inovadoras mas que ao fim e ao cabo apenas reproduziam um modelo de séculos.

Obviamente foi um escândalo!

"Quem Marcel Duchamp pensa que é pra nos ofender com seu urinol?" Bradou um!

"Está cuspindo na grande arte." Gritaram outros!

"Ora, como quer que nós, pessoas que estudamos que nos dedicamos ao nosso ofício possamos aceitar que alguém que se diz artista coloque o objeto que não foi ele quem fez e que ainda por cima é escatológico, numa galeria ao lado das nossas tão bem produzidas obras de arte?"

"Onde está a obra de arte?"

"A Arte morreu!"

kkkkkkkkkkkkkkkkk

E Duchamp assistindo a todo aquele reboliço, provavelmente sentado com seu charuto, jogando seu bom xadrez!

Marcel Duchamp: um ícone

O que a massa gritante e escandalosa não entendia (pois estava de olhos fechados para o futuro, pregados com cravos no presente, embotados com o gesso grego do passado) era que o que Duchamp estava colocando dentro do museu era um conceito. Um debate. Uma problematização. E que um produto artístico que não se preste a isso não deve mais ser considerado como importante, ou pelo menos, única forma artística.

A 'Arte' tal como entendemos hoje, como uma instituição fechada que se pode conceituar facilmente, é um conceito moderno, extremamente recente e não um fato natural. Durante muito tempo, em muitas civilizações a experiência artística sempre esteve lado a lado com a vida concreta e não era dela separada.

Duchamp, vendo o rumo que o conceito de arte do início do Século XX, dominado por quem estava se beneficiando muito com esse modelo, propõe discutir literalmente: 'QUE MERDA É ESSA?'

Em nenhum momento, ele virou as costas ou debochou da arte, muito pelo contrário. Sua atitude foi de um verdadeiro artista que bate uma palma bem grande, bota a mão na cintura e pergunta: 'QUE MERDA É ESSA?' Mas fez isso com sua obra, através do discurso estético. Sem gritar com ninguém!

Detratores e defensores até hoje discutem sobre o feito. Outras obras polêmicas Duchamp criou. O mundo das artes deu saltos importantes depois dele, mas mesmo assim, Duchmp ainda não venceu. Pegaram seu unriol e colocaram no Museu, agora sem o conceito, sem o discurso. Hoje, um outro urinol que não o original (martelado por um consumidor de arte indignado) jaz atrás de uma redoma de vidro, com toda a aura de obra de arte que um dia seu autor quis destruir. Calaram de alguma forma o artista ao enjaularem sua obra. A massa de gorilas continua gritando seu Uh-Uh-Uh!

O debate entre a tradição e a inovação, o paradeiro e o movimento sempre causou transtornos imediatos e resultados a longo prazo. Amadurecer, muitas vezes, é fazer uma retrospectiva da sua vida e ver de que lado você ficou. No discurso, um vanguardista. Na prática: um reacionário!

Isso não é raro, pelo contrário, raro é o oposto.

Raro é conseguir não gritar pelo prêmio, não brigar pelo título, não puxar o cabelo do outro, não urrar como homem das cavernas, na rua ou no facebook!

Raro é conseguir largar o osso!

Drica




DE SOLAVANCOS E DE MARÉS... assim caminha a humanidade

Quero agradecer aos novos leitores do blog. Bem vindos a esta casa.

Lamento pelo anonimato dos comentários, na grande maioria, mas isso não me incomoda.

Também não me incomodam as críticas, nem tampouco os palavrões.Quem se expõe publicamente está sujeito a isso. Sei disso como atriz, como professora, como trabalhadora em atividades como esta: ser jurada num Festival.

Apesar de eu ter pedido um pouco de afeto, meu pedido não foi aceito, tudo bem, este não é meu primeiro pedido não aceito na minha vida.

Acho que o record total e absoluto (que eu de fato jamais esperaria num post meu) de comentários revela a importância do espaço para manifestações. Mas o anonimato e a repetição dos argumentos vazios mostram que é preciso qualificar o debate.

Beleza.

Mas também não vou posar de boa e dizer que tá tudo bem. Um pouco de clareza e maturidade bastam pra reconhecer que há algo estranho no ar.

Poderia responder um a um os comentários que merecem resposta, mas acho que não devo fazê-lo aqui por motivos óbvios. Acho que podemos debater o tema, os conceitos, as trajetórias, o que Conquista é, pensa ser e quer ser. Apesar de mais de 100 comentários tenho a impressão de que eles representam o pensamento de uma ou duas  dezenas de pessoas. Imagino que há pessoas que pensam de outra forma, porque senão não teríamos tido a diversidade que tivemos em cena. O que falta, talvez, seja um fórum onde possamos debater questões de ordem estética, política, enfim.

Agora me permitam um desabafo. Quem se arvora a dizer isso e aquilo do festival, da organização, do corpo de jurados, parece se auto conferir um título de dono da verdade e senhor absoluto que tudo sabe, que tudo vê. Faz o triste papel de, em frases de efeito e numa avalanche de zombaria, se eleger como a grande pessoa que entende do verdadeiro e puro teatro. Que pena! Espero que esses donos da verdade, sem a menor auto-crítica, sem o menor senso de diversidade não empalideçam o cenário teatral local, que é muito maior do que um, dois, três ou quatro esbravejadores que por não terem argumentos gritam tanto e tão alto, dialogando apenas consigo mesmo, com aquilo que já estabeleceu como certo e que quer atochar como verdade para todo o resto. Entendo a existência dessas figuras. Elas fazem parte da história de algum modo. E sim, eu deixarei todo e qualquer comentário aqui, desde o mais infame até o mais discreto. Ficará como registro histórico do bem que o evento em questão fez e de como Conquista terá caminhado em sua trajetória teatral.

Acredito que o Festival foi e continuará sendo um sucesso. Festival bom é Festival polêmico!

Parabenizo mais uma vez a todos os participantes. Adoraria ter um espaço onde pudesse falar dos nossos debates, dos nossos critérios de avaliação, das nossas leituras estéticas. Onde pudéssemos dialogar de forma madura sobre nossas experiências, nossas trajetórias, nossos quereres, nossos olhares. Qual cidade não ganha com esse diálogo? Qual cidade não ganha ao deixar de brigar pelo que é certo ou errado e decidir abrir espaço para todos? Qual teatro não ganha com a diversidade? Estamos caminhando para a qualificação do debate e isso, de alguma forma começa também no espaço aberto onde se diz o que quer, não se assina nada, não se compromete com aquilo que deveria ser seu conceito. Até isso faz parte e fiquem tranquilos, vocês em nada afetaram, mexeram ou desestabilizaram aquilo que sou como atriz, pesquisadora, blogueira, professora.

É um prazer contribuir para o debate.

Drica




domingo, 2 de dezembro de 2012

II FESTIVAL DE CENAS CURTAS DE VITÓRIA DA CONQUISTA

Nem sei bem por onde começar, se pelo começo ou pelo fim.

Digo isso, porque estou saindo, quentinha, do encerramento do Festival e porque tudo o que eu havia planejado escrever sobre ele durante estes dias, talvez tenha virado de cabeça pra baixo. E esta sensação sempre será a que eu busco em se tratando de experiência estética. É o FLYING THE DRAGON (cavalgando o dragão) dos viciados.

Mas, vamos ser didáticos que o leitor não é obrigado a saber a priori do que se trata.

Neste ano de fim de mundo, o tal do 2012, a Secretaria de Cultura, Turismo, Esporte e Lazer (ou seja, metade do mundo!) de Vitória da Conquista, minha terra natal e atual, realizou a segunda edição de um supostamente modesto Festival de Cenas Curtas. Sim, supostamente modesto, porque mesmo reconhecendo seu tímido tamanho em termos de orçamento e de alcance (aí, claro que ele é modesto), mas em se tratando do que ele mobilizou nestes três dias, em termos de conceitos, práticas, pesquisa e debate, digo sem medo de errar que ele foi monstruoso!

Talvez inadvertidamente o público tenha se dirigido ao simpático Teatro Carlos Jehovah acreditando que assistiria ao desfile de cenas bem preparadas tecnicamente, com alguma timidez de grupo do interior que talvez sinta falta de dialogar com as tendências mundiais e que se entendendo como cidade do interior da Bahia, no Nordeste do Brasil, ache de bom tamanho fazer aquele teatro seguro, que por décadas (ou séculos) já tenha mostrado que funciona. Que nada! O que se assistiu ali foi um vigoroso desfile de ousadia, criatividade e experimentação.

Mas, calma, vamos por parte, como diria Jack, não o Nicholson, mas o estripador! Argh!

Primeiro quero falar da relevância deste Festival aberto de Cenas Curtas numa cidade que em outros aspectos já se mostrou inteiramente antenada ao que há de mais contemporâneo, sem perder a leveza e graça do interior que é. Em Conquista tem o vaqueiro na feira e o restaurante internacional. Tem o terminal de saída pras roças e tem o aeroporto que em breve se modernizará. Tem as ruas largas de andar e pedalar - onde se vê vez ou outra um cavalo a galopar - e tem semáforos, ciclovias, carros importados. Tem tudo pra todo mundo e isso faz dela uma das mais belas cidades do Brasil atualmente.

Este Festival de Cenas Curtas resolve dois problemas que a cidade talvez enfrente hoje: da forma como a Secretaria é organizada (sendo o teatro uma coordenação) resolve porque é um evento de pequeno porte e baixo custo, tanto para quem o idealiza ( A Prefeitura) quanto para quem participa (os grupos). O outro, não digo problema, mas questão que se enfrenta com um Festival de Cenas Curtas e não um Festival de Teatro, do ponto de vista tradicional de espetáculos de duração aproximada de 1 a 2 horas, é que este espaço revela-se como um espaço ideal para a experimentação, para a variação estética, para a divulgação e implementação da pesquisa.

Circo do Soleinildo - Cia Operakata de Teatro
Ora, a segunda edição do Festival já vem com a chancela da primeira, onde foi premiado o espetáculo O Circo do Soleinildo da Cia. Operakata de Teatro. Depois deste lançamento a cena virou peça e tem feito um brilhante e invejável trajeto em Festivais Nacionais e Internacionais. É um marco de respeito como aurora deste festival.

O sucesso da Operakata é o sucesso do teatro de Vitória da Conquista e isso se revela na qualidade e sobretudo na criatividade e na ousadia das cenas inscritas na segunda edição.

É pois, a cena curta, o espaço onde se pode ousar com mais segurança. Um espetáculo completo requer uma série de elementos dos quais a cena pode abrir mão, de certa forma. Não significa, porém, talvez o contrário, que seja mais fácil. Resolver, sobretudo do ponto de vista da dramaturgia, uma cena em 15 ou 20 minutos é um desafio!

Nos primeiros dois dias o Festival revelou de alguma forma sinais sobre um imaginário da cidade do ponto de vista de uma unidade estética. Ao final destes dois dias, eu acreditava que havia uma recorrência de signos, na forma de organizá-los, que revelava uma característica da cidade. Algumas cenas chegavam a ser muito semelhantes, na ambientação, no modelo de instalação da cena: trilha sonora de abertura, uma luz taciturna sobre um cenário antigo, figurino de época, uma unidade cromática com um elemento contrastante - geralmente um fundo marrom ou preto com um elemento em vermelho e então, o elemento que se impunha impiedoso: a hegemonia do texto. A maioria das cenas, do ponto de vista da visualidade, servia de ilustração para o estabelecimento pleno e indiscutível do texto. Grandes diálogos, imponentes reflexões ditas como diálogo interno do personagem ou através da voz em off. O que senti particularmente na maioria das cenas dos dois primeiros dias foi essa extenuante hegemonia do texto dramático, do ponto de vista mais tradicional que possa dizer.

Isso, imagino eu, vem de uma tradição de um teatro clássico, naturalista que se fecha num modelo e que invade nosso horizonte de expectativas através do cinema e da telenovela. Claro que eu identifico nos grupos de teatro um trato com os elementos próprios da cena e uma tentativa de transgressão, mas sempre a serviço do texto dramático.

Um bom sinalizador desta tendência e desta possível unidade estética, na falta de um termo melhor, a que me refiro, está no fato de que nenhuma peça (talvez Ossossosso e Vivido que foram apresentadas no último dia) tenha sido idealizada para arena total, mas sempre trabalhando com a frontalidade da cena, muitas delas apostando, inclusive, na quarta parede. No máximo o que se explorou foi o modelo de semi-arena, como foi o caso de algumas delas, como Ela-Outro-Ele e Lua de Luiz, para ficar apenas nessas duas.

Outra impressão que me deu ao final do segundo dia foi que o teatro de Conquista parece não ser afeito a comédias, ou ao menos ao humor. Tirando, até este momento, a cena Ela-Outro-Ele, todas as cenas eram dramas e dramas dos mais pesados. Nada contra este ou aquele gênero, por favor! Estou apenas tentando fazer um diagnóstico a partir do que me ofereceu como dados concretos o Festival.

Mas eis que veio o terceiro e último dia.

Neste momento o Festival mostrou a que veio. Mostrou ainda mais porque é  importante do que já havia se mostrado nos primeiros dias, quando se revelou importante espaço de encontro, de socialização dos produtos, de diálogo.

No terceiro dia, no entanto, o chão sumiu.

Sem nenhum drama fechado no sentido de gênero dramático (todo teatro é drama, sabemos todos disso), avançamos de Lua de Luiz, com seus estímulos diversos e bem cuidados para Vivido, um corajoso solo no melhor estilo Teatro Essencial, com uma utilização dos signos teatrais de modo articulado e fruto de evidente pesquisa de cena, dramaturgia e composição corporal visivelmente presentes no trabalho da intérprete e no seu diálogo com os poucos, mas eloquentes signos da cena.

Para coroar a noite, Ossossosso, uma cena repleta de elementos dos mais diversos da contemporaneidade reunidos num consciente discurso político, estético, filosófico que nem por isso deixou de lado o frescor da criação artística e a relação tempo-espaço própria e específica do evento teatral. Se estavam ali o telão, a TV, o facebook, Kubrick, a cidade de Vitória da Conquista, estavam também elementos físicos e concretos da cena: a luz (negra), o casal de intérpretes, o osso, a corda, enfim, uma profusão de elementos, de estímulos multimídia que para o bem ou para o mal, mexeram com quem estava na plateia. Para dialogar com a cena, provoco: você não precisa curtir, mas inevitavelmente compartilhou daquele momento e ele provocou naquela privilegiada plateia que talvez tenha acompanhado como eu os três dias de Festival, sentimentos novos, confusos, desagradáveis talvez, desestabilizantes: "mas cadê o texto? cadê o autor? cadê o diretor? cadê a interpretação?" E o que se busca numa experiência estética senão o desconforto? A pergunta? A dúvida? A derrocada das certezas estagnantes?

O Festival mostrou que podem conviver numa mesma cidade um teatro que se entende como uma reprodução bem conduzida de uma linguagem experimentada, testada e aprovada como me parecem ser as cenas que tendem para uma estética realista, com um teatro que quer se perguntar a que veio. Um teatro que quer saber o que é, mas aqui, SER  no sentido mais contínuo possível: um teatro gerúndio que não é, mas que está sendo. Um teatro que não apenas É, porque ele também já Foi e sobretudo ele sempre SERÁ. Um teatro em movimento, em contínua pesquisa e aperfeiçoamento.

O que fica de lindo para mim e de alguma forma acredito, para o corpo de juradas que debateu exaustivamente todos os elementos premiáveis e todas as questões propostas pelas cenas, é que é preciso aceitar, reconhecer, legitimar e incentivar a provocação que veio dos artistas. Um cenário plural onde a experiência e a juventude dialogam, se encontram, se debatem, competem, mas avançam num pensamento contemporâneo na ordem do dia do mundo das cenas.

Eu não estou dizendo com tanto elogio que não houve problemas. Claro que houve e sempre haverá. Uma cena ou outra com problemas técnicos, um excesso aqui outro acolá. O que eu quero dizer é que o Festival potencializa muito mais o que há de acerto do que o que há de tropeço.

Conquista, no ano de 2012 - antes do mundo acabar - dá seu recado ao mundo do teatro: nós estamos na área. Se derrubar é pênalti.

E que lindo gol fará o teatro de Conquista daqui pra frente, preparando-se para se tornar daqui a alguns anos, quem sabe, uma referência na linguagem do ponto de vista da experimentação e da pesquisa. E que lindo espetáculo ganha a cidade, que terá uma inquestionável ação pedagógica e política, sempre pelo viés estético, com espetáculos dessa natureza.

Ao fim e ao cabo, para quem debate o que se viu e o que se vê, quem poderá seguramente definir o que é teatro, o que é bom ou o que é ruim, o que define o trabalho do ator/atriz, o que é talento, o que é qualidade? Quem tem certeza de que tem a resposta para isso, eu só lamento, parou no tempo, fechou as portas, cerrou as cortinas! Água parada não faz bom marinheiro. Fazer por séculos um modelo único só pra dormir tranquilo achando que acertou é bem pouco para uma existência. Eu quero é o risco.

Agradeço imensamente pela oportunidade de viver este que para mim é um divisor de águas na cidade, produzido não pelo órgão que viabilizou o Festival, não pelo corpo de juradas que se prestou a debater, discutir e de alguma forma traduzir em notas todas essas questões tão amplas e subjetivas, mas nem por isso  impossíveis de serem conceituadas, também não apenas pelos artistas e suas criações, mas sim pelo encontro dessas três instâncias e sobretudo pelo público que - eu vi e posso afirmar - se divertiu e se incomodou, se emocionou e se chateou, mas que fez deste Festival um promissor evento que mostrou ao poder público local o potencial das artes cênicas da cidade e a importância de investir no crescimento e no aprimoramento de ações e políticas públicas que coloquem o artista da cena num lugar digno de onde ele possa investir na sua formação e na sua pesquisa.

Parabéns a todos os participantes, ao público, aos organizadores.

Sugestões para o próximo, eu as tenho aos montes e sei que o leitor também. O espaço para comentários está aí, de coração aberto, com afeto e sempre pelo bem da arte e de todos nós, porque porrada a gente já leva demais de quem não é artista, né, então, vamos tentar fazer com que o diálogo seja uma ferramenta de construção e afeto, sempre afeto.

Até o próximo!

Drica



II FESTIVAL DE CENAS CURTAS DE VITÓRIA DA CONQUISTA:
Realização: Secretaria de Cultura, Turismo, Esporte e Lazer através da Coordenação de Teatro

De 29/11 a 01/12/2012
Local: Teatro Municipal Carlos Jehovah

Corpo de Juradas:
Adriana Amorim - Atriz, Profª e Coordenadora da Área de Teatro e Dança da UESB/Jequié
Cibele Sá - Atriz e Coordenadora de Teatro da cidade de Boa Nova
Nehle Franke - Diretora teatral e Diretora da Fundação Cultural do Estado da Bahia

PREMIAÇÃO:

FIGURINO: Vitória Vieira, com a cena Lua de Luiz 
CENÁRIO: Adriano Siqueira, com a cena Dentro da Noite
ATRIZ: Iziz Mueller, com a cena Vivido
ATOR: Francisco Carlos, com a cena Lua de Luiz
DIREÇÃO: Patrícia Moreira, com a cena: Ato Único
3ª cena: Ato Único - Cia Ditirambo de Teatro e Ossossosso - Grupo Coletivo
2ª cena: Vivido - Grupo agulhas - Núcleo de experimento do corpo cênico
1ª cena: Ela, Outro, Ele - Grupo Criativo Pajaco capo.



sexta-feira, 24 de agosto de 2012

ENGRAÇADINHA, EU?

Monstros em cena

Ontem o Canal Viva me deu mais um presente. Depois da reprise de Vale Tudo, Roque Santeiro e Os Maias, vem mais uma delícia que eu tenho o prazer de esperar para assistir - coisas da cultura da televisão. É Engraçadinha, seus amores e seus pecados.

A primeira vez em que essa minissérie foi ao ar, em setembro de 95, eu estava completando 21 aninhos.  Lembro-me, e é provável que sempre lembrarei, das sensações que esta obra me causou.

Eu pouco conhecia Nelson Rodrigues. Já estava fazendo Teatro Escola Macunaíma mas não tinha lido ou assistido muitas obras dele. Sabia de sua existência.

Eu, aos vinte


Mas eu era uma menina de 20 anos quando a minissérie começou, dois a mais apenas do que a personagem principal quando a história começa. E as chamadas da TV me atiçavam a curiosidade.

Aquela música, aquelas cores, a cara de Alessandra Negrini por quem fui loucamente apaixonada por anos, a narração das chamadas, aquele cheiro de pecado bulinavam com a menina que havia chegado em São Paulo havia apenas um ano.

Eu esperava ansiosamente pela estreia e depois dela esperava cada capítulo como quem espera o pão.

Curtia sozinha toda aquela lascívia, toda aquela sexualidade, aquela transgressão, aquele ar de bordel e sala de aula que a direção da obra cinematográfica trazia do universo rodrigueano.

Apaixonei-me pelo elenco da primeira fase. Desde então sou fã inveterada de Ângelo Antônio, meu querido primo Sílvio. Maria Luíza Mendonça, sempre soberba fazendo papeis estranhos (e apenas estes) também me encantava com sua Letícia misteriosa. Mas Alessandra Negrini era a deusa. Seus cabelos negros, sua boca vermelha e suas ancas largas como seu sorriso obsceno mexiam com minha libido e com minha relação com o trabalho de atriz.

Comprei o CD da trilha, passei a venerar Piazzola.

Tentei comprar Asfalto Selvagem (romance original com a história de Engraçadinha), mas não consegui.

Entrei no universo de Nelson, assim, desejando ser ao mesmo tempo Engraçadinha e Alessandra Negrini.


Na segunda fase, porém, um desencanto. Achei o elenco muito ruim, exceto Paulo Betty que me convencia a continuar assistindo a minissérie. Era, provavelmente o luto pela saída de Negrini. Não gostava de Mila Cristhi e seu namoradinho. A parte dos rebeldes sem causa, achei chaaata. Só o namoro de Engraçadinha, já dona Raia, me fez lembrar os arroubos de outrora. Pedro Paulo Rangel, que eu viria a amar com o especial Lisbela e o Prisioneiro (não o filme, mas o especial da Rede Globo) e cujo amor se multiplicaria infinitamente em Som e Fúria, fazendo o impagável espectro de Oliveira, sim, este mesmo PPP mostrava sua genialidade como ator, mas num personagem que em nada atraia, volto a repetir, uma menina de 20 anos.

Ontem, fazendo tricô ao lados dos meus filhos, esperei  saudosamente pela reprise desta minisserie, que eu já vi outras vezes, inclusive porque gravei no videocassete em outra oportunidade de reapresentação. Mas, prestes a completar 38 anos, quase vinte anos depois do primeiro encontro, vivo a deliciosa sensação do tempo passando. Revi a menina fogosa, ousada, com fome de vida, sexo, teatro e liberdade que aportara em São Paulo, vinda de uma Salvador já, então, meio árida.

Todo esse blablabla é pra dizer que ontem eu me dei conta do quanto esta obra me formou. Do quanto fui impulsionada pelo desejo latente que ela exalava. Do quanto o trabalho de um grupo de artistas, de Nelson Rodrigues a Alessandra Negrini, de Piazolla a Denise Saraceni, é o que de fato, ao lado das experiências concretas nos define, molda aquilo que estamos sendo e construindo.


Raia, Engraçadinha


Como a Engraçadinha de Cláudia Raia, atriz que eu admiro imensamente, já estou na minha segunda fase e poder fazer um flash back de minha própria história a partir da reprise de uma história eterna, como é eterna toda obra de arte, é para mim a certeza de que de tudo na vida que nos acontece, a experiência artística é a mais impactante, a mais relevante e talvez - eu ouso dizer - a única que faz sentido.





sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A BELEZA DE ONDE VIEMOS - na Beleza Bahia

Faz tempo que publiquei na coluna BELEZAS INUSITADAS da Beleza Bahia, mas só agora tive tempo de trazer o texto pra cá.

O texto está no portal da Revista, acesse clicando aqui e vá até a página 88. Tem a revista nas bancas, também, caso vocês gostem de ler no papel.

Espero que gostem:

A BELEZA DE ONDE VIEMOS



Quando eu era adolescente eu era bem magra, os cabelos bem cheios e cacheados, praticamente um cogumelo. As pernas finas como uma seriema. Tinha a voz estridente, falava muito e muito alto. Falava rápido e andava devagar. Ouvia constantemente: “Fala baixo, menina” ou “Anda rápido, menina”. Mas, no fundo meus maiores problemas eram meu grande nariz avantajado e minha boquinha pequena e afinada. Na frente do espelho, eu puxava e repuxava o nariz pra tudo que era canto, tentando fazê-lo ficar menor, mas nada. E sonhava com aquilo que me tornaria a pessoa mais feliz do mundo: uma cirurgia plástica no nariz. Eu só esperava ter idade – e dinheiro – para realizar este sonho. A idade viria, eu estava certa. Já a grana...
Os anos foram passando, eu saí de casa aos 15 anos e fui me encontrando em situações que me revelavam muito mais do que o espelho. No colégio interno onde fiz o ensino médio, se encontravam dezenas de adolescentes de diferentes partes do estado da Bahia (Colégio Técnico da Fundação José Carvalho, em Pojuca) e a profusão de sotaques e prosódias me levou a uma forte descoberta: Sim! Eu tinha sotaque! É, porque até ali, eu achava que todo mundo tinha sotaque, menos os conquistenses. Claro, eu nunca tinha confrontado meu sotaque com outros. Primeira descoberta de traços de identidade, sem, ainda ter noção dessa experiência.
Mais adiante, assisti a uma matéria de jornal na TV que tratava de traços físicos de identidade. Uma moça, com um nariz grande como o meu, dizia, feliz, ao repórter: “Eu sei que meu nariz é grande, se comparado à maioria, mas isso não me incomoda. Esse nariz me diz das minhas origens, me diz dos povos dos quais herdei traços e comportamentos. Mexer nesse nariz, seria negar minhas origens.” Claro que não foi exatamente assim, porque eu não seria louca de decorar uma fala na TV por tantos anos. E claro que ela não estava fazendo um tratado contra cirurgias plásticas. Mas trago este exemplo, porque neste momento, lembro-me de ter me levantado, ido ao espelho e pela primeira vez em aproximadamente 18 anos, ter sido simpática com meu nariz.



Isso porque eu já desconfiava que a família do meu pai apresentava fortes traços árabes. Na verdade desconfiei porque muita gente perguntava e julgava evidentes os traços em meu rosto. Já aos 20 anos, em São Paulo trabalhando numa grande rede hoteleira praticamente todos os hóspedes europeus perguntavam de onde eu era, sempre esperando um lugar do Oriente Médio e se espantavam (e até se decepcionavam) quando eu dizia: Vitória da Conquista, interior da Bahia.
Hoje, muitos anos depois, estou de volta ao lugar onde nasci. De volta para ficar (eu acho) e jamais poderei traduzir em palavras o que é voltar para o lugar ao qual pertenço. Indo ao Distrito de origem da família de meu pai (José Gonçalves, conhecido como Guigó – eu nunca tinha visto um lugar ter apelido) eu vejo tantos, mas tantos traços parecidos com o meu. Tantos narizes grandes e bocas pequenas e – pasmem – sinto uma grande alegria nestes que outrora eram meu grande problema estético. Alegria, porque me identifico com aquelas pessoas, porque me encontro com minhas origens, meus princípios e entendo tanto de mim mesma. Fico curiosa porque gostaria de pesquisar sobre a influência árabe neste pedaço de Caatinga no Sudoeste da Bahia. E entendo que era preciso eu viver essas quase quatro décadas para entender e viver este sentimento.
Ouço as canções de Elomar Figueira Melo, a voz encantadora de Xangai e meu coração se alegra, porque sei que suas canções, letras e melodias falam da terra de onde vim. E, depois de tantos anos cruzando o Brasil, trocando de endereço, profissão, cidades e estados, volto para o lugar onde vivi boa parte de minha infância. Percorro as mesmas ruas e a memória me aquece.
O lugar de onde viemos, quer seja o lugar físico ou o lugar simbólico (a família, os amigos, as associações, escola, igreja, coral) é um importante e belo pedaço da gente que às vezes abandonamos ou, pelo menos, negligenciamos. Um retorno delicado às nossas origens pode ser aquilo que nos falta em momentos onde temos aquela sensação de estarmos perdidos, soltos no universo, sem eira nem beira, sem perspectiva. Talvez esteja na volta ao passado, a reconstrução segura do nosso futuro.
Reencontrar pessoas que apresentem traços físicos semelhantes aos nossos, muitos ou poucos (um sorriso largo, uma perna bem torneada, uma sobrancelha farta) pode ser um acolhimento silencioso que o outro nem sabe que está fazendo, mas que estando à nossa frente, lembrando traquinagens do passado, ou perguntando por aquele fulano de quem nunca mais se teve notícia, nos diz afetuosamente: “Você não está sozinho”.
Agora, se neste encontro com familiares e amigos pintar a sessão álbum de fotos, se prepare porque o riso e as lágrimas vão ter presença garantida. Fotos que a gente jamais se lembraria de ter tirado. Pessoas ao nosso lado que a gente se quer lembrava que existiam. Lugares que nem existem mais. Árvores que viraram prédios. Praças que viraram estacionamentos. Está tudo lá, vivo na fotografia, registrado na memória, preso a um passado idílico, um passado perpétuo que nos configura e nos fortalece.
Garanto que voltar ao espelho depois de reencontrar os seus, será uma experiência reveladora. E se você fez uma plástica ou outra, não se sinta menosprezado por este artigo, pois não estou necessariamente falando de traços físicos (envelhecemos, e isso não deixa de ser uma mudança). Há lago neste espelho que agora te olha, que bisturi nenhum tira e que só os seus olhos poderão reconhecer. Não precisa dizer pra mim, nem pra ninguém da alegria de se sentir parte de uma família, de um grupo de amigos, de um passado coletivo. Basta valorizar o sorriso que com certeza virá te visitar assim que você colocar a cabeça no travesseiro, nesta noite que talvez seja a primeira dessa sua nova fase, desse seu novo futuro. E por falar nisso, feliz 2012 para todos nós. Que ele seja assim, simples, inusitado e belo, serenamente belo.

domingo, 22 de julho de 2012

ESPECTANTE OU EXPECTORANTE?



Saudadinha de ver teatro, na caixa, fechadinha e mágica.

Extremamente preguiçosa, claramente endividada, dolorosamente encurvada.

Saudadinha de cinema e livraria.

Dos amigos e das sombrinhas.

E blog de espectadora, abandonado, sem dizer nada.

Hoje estou assim, lenta.

Já já passa.


sexta-feira, 20 de abril de 2012

EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DA TIRANIA

Se Paulo Freire estivesse vivo ou a educação seria diferente, ou ele enlouqueceria e sairia doido correndo.


O que se tem praticado nas escolas de ensino básico hoje em dia, muitas vezes em seu nome, pobre Paulo Freire, é impressionante.

Vamos começar pelas atrocidades do currículo mínimo.

Quem vai ter coragem de admitir, por exemplo, que o ensino de Inglês no Ensino Básico é uma firula total? Não se aprende nada de útil nas aulas de inglês, nada. Verbo to be, presente, passado e futuro e olhe lá. O que se lê, se conversa ou se ouve com essa titica de informação? Para que serve esse inglês mínimo se ele não te ajuda a ler nada, nem a travar a mais infame conversa. Pra que, então, aprender o mínimo do mínimo da gramática inglesa se jamais se usará aquela regra fora de um contexto de "responda às questões abaixo". Eu não aguento mais gastar fortunas com livros bonitinhos que vêm com cd'zinho e que toda unidade, toda unidade eu explico a mesma coisa pra Hannah. Ela já comprovou sua inteligência e capacidade cognitiva em outras experiências educacionais. Se ela não aprende aquilo por mais que aquela lição se repita (e como ela se repete) é pelo simples fato de que aquilo não faz o menor sentido na vida dela e que portanto, sabiamente, sua memória apaga.

As tarefas de Português, redação e gramática do Fundamental I viraram verdadeiras teses de doutorado. Os termos usados são simplesmente surreais em se tratando de eudcação de crianças. E o argumento é sempre o mesmo e torpe argumento da preparação para o vestibular. Que ódio!

João tem tomado ódio mortal da escola. Quando ele não está na escola, ele está fazendo tarefa. A escola em que ele estuda, considerada uma das grandes escolas da cidade, passa uma maratona diária de tarefas que é assustadora. João não tem mais tempo de brincar, de ver TV, de ler o que realmente gosta, como quadrinhos e revistas e nem de ficar apenas existindo.

E como ele sofre com as tarefas. Também não é pra menos. Textos de mais de duas páginas, retirados de revistas como a Veja (SOCORRO!!!!) com temas clichês como sustentabilidade (será que a escola tem lixo seletivo?) Saúde (a cantina não oferece lanche natural) e tolerância (a escola está preparada para os estudantes gays, ateus e outros diferentes?) Uma moralidade tosca e torpe que me envergonha e me irrita.

Há tempos que estou pelas tampas com a pedagogia atual.

A maioria das pedagogas (como tem mulher nesse meio, gente) tem um discurso moralista de quem sabe tudo, de quem já estudou tudo e de que as teorias cognitivas dão conta da vida. Não dá mais pra conversar com coordenadoras pedagógicas sem sentir vontade de dar-lhes na cara. Elas dão aquele riso cínico dos que julgam saber tudo e lhe metem na cara uma frase onde citam pelo menos três teóricos da educação, meia dúzia de teorias e ainda com o sorrizinho cáustico, terminam com o célebre: "não é, mãe?"

Que vontade de matar!

O que me mobilizou a escrever foi uma tarefa de João que tem a pergunta cavernosa: "Na conclusão do texto, foi feita uma citação (...) Em sua opinião, essa citação fortalece a argumentação do texto?"

Gente, eu tô exagerando ou FORTALECER A ARGUMENTAÇÃO não é coisa pra criança normal  de 9 anos?

E tem mais, João tem que fazer resenha dos textos lidos, como estratégia para ele gostar de ler. HAHAHA. Qualquer estudante de graduação sabe que depois de uma RESENHA ninguém mais vai gostar de ler. Gente. Resenha na 3ª série é demais, eu tenho certeza.

Fora as atrocidades conceituais contidas nestes textos que ele tem que ler todo santo dia. Esse, sobre o dia do livro:

"Não existe melhor veículo cultural do que o livro. O grau de civilização de um povo pode ser medido pela quantidade e qualidade dos livros que lê. O livro é o meio insubstituível da difusão da cultura, transmissão do conhecimento, do fomento à pesquisa social e científica".

Ok, quer falar bem do livro, ótimo, eu concordo.

Agora jogar fora toda a tradição oral, todas as demais formas de cultura, como a música, as danças, os filmes, as festas, é um pouco demais, não?
E todas as pessoas da família do meu filho que não foram alfabetizados? Não sabem de nada da vida? Não têm cultura? Como um texto pode trazer preconceitos como este?

E ainda pedem uma resenha sobre esse texto. Há, se a gente dissesse o que relamente achou do texto, João não entrava mais na escola. Sim, a gente, porque as tarefas são um convite à mãe ou à tia da banca ajudarem na resposta. É evidente!

E as professoras preferem as respostas certas feitas a quatro mãos (quando não só pelo adulto) do que as respostas irregulares, incompletas talvez do conceito que se queira, mas plenas da capacidade da criança de se expressar. A carinha que João faz diante das perguntas cavernosas é de dar dó! É como se ele soubesse que o que ele quer dizer nãov ai servir e aí ele fica procurando qual a resposta que ele deve dar. Que tristeza.

Sobre essa tristeza da criança diante da escola, Adélia Prado comentou lindamente, num texto que transcrevi num post no FUTEBOL DE ARTISTA. Para conhecer o post clique aqui.
E ainda tem outra coisa. Perguntas disfarçadas de democráticas, como por exemplo: "Na sua opinião...", "o que você entendeu por..." "o que você acha de...." e depois, na correção, corrigem o que a criança escreveu. Oxente. Se tá perguntando o que a criança acha, qualquer resposta estará certa. Eu já briguei na escola de Hannah, há alguns anos atrás porque isso aconteceu numa prova. Eu fiz a professora dar o ponto, porque a pergunta era: "o que você acha". Qualquer coisa que se responda vai estar certa, é o que a pessoa acha.

Enfim. Desabafo porque estou irritada com a escola de João que apesar de falar de teorias de desenvolvimento numa perspectiva humanista, não passa de uma prisão de conceitos, preconceitos, metodologias e estratégias que nada mais fazem do que coibir o prazer, a brincadeira, a diferença no aprendizado.

Por exemplo, anteontem, eu estava narrando um acidente que houve aqui na rua para Alam, por telefone e no final da conversa João, que ouvia a história me mostrou uma sequência em quadrinhos sobre o que eu tinha narrado. Ele não sabia do acidente até então. Impressionante a capacidade de expressão dele. Cada quadrinho era uma parte da história. Lindo. Aí, ele quis levar para mostrar pra professora. Eu já sabia o que o esperava, mas deixei. Aprende-se de tudo na prática! Quando ele chegou eu perguntei como tinha sido. Ele disse, não para minha surpresa: "Ah, ela não quis ver, não, disse que já tinha visto na TV".

É disso que eu estou falando. Mil textos por dia e nenhuma capacidade de valorizar o que ele fez por conta própria, por prazer, através de outra linguagem, de outra fonte de expressão e conhecimento que não apenas o livro. Eu vou acabar tomando raiva da hegemonia do livro.

Não é à toa que a escola é o lugar mais detestado por crianças, adolescentes e jovens.

Eu não acredito mais em educação formal e espero, com minha indignação, que eu possa me juntar aos que também estão tentando outro tipo de educação, que eu sei que não são poucos, são apenas evitados.

Fica o desabafo, o registro e a indignação.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Velho Chico, nosso professor





Foi com muita tristeza que recebi a notícia da morte de Chico Anísio. Tristeza pela saudade, porque aho que era mesmo hora do grande professor descansar. Uma luta dura contra um doença aqui outra acolá e a velhice que já lhe impunha suas restrições. Oh, país duro para se ser velho. Mas este é outro assunto.


Chico Anísio é um dos maiores gênios brasileiros. Grande artista, homem de Teatro, Rádio e Televisão, sem dúvida influenciou uma geração de comediantes, mas sobre isso você poderá ler em muitas reportagens.


Quero falar aqui de como foi ter crescido com seus personagens, como é ser atriz e fazer parte de uma geração que tem nas centenas (se não milhares) de personagens seus uma referência. Mais do que persoangens: são tipos, alegorias, uma infinidade de seres, personalidades que povoam o imaginário do povo brasileiro.

Tem o político, o pai de santo, o jogador de futebol, o ator (um dos meus favoritos, Alberto Roberto), tem pastor evangélico, tem fofoqueira de alta classe, tem vampiro brasileiro, tem jovem, tem malandro, tem abestralhado, meu deus, como um único ser humano pode ser povoado de tanta gente, de tanta ideia, de tanta beleza?

Chico Anísio foi uma luz, uma estrela de grandeza infinita, de brilho contínuo que tocou sua própria carreira com maestria e talento.

Talvez o mais expressivo de todos os personagens do Velho Chico (esse nosso rio de talento) seja o Professor Raimundo, que no nome já traz tudo aquilo que era. Professor por natureza, por instinto, por profissão. E Raimundo, esse gira-mundo nordestino, teimoso e de cabeça grande (oh, para caber tanta gente...) que ousou unir num mesmo programa n década de 90 (A Escolinha do Professor Raimundo) os velhos atores abandonados que, como ele, viveram os tempos áureos do rádio e do teatro de Revista.

Rever seu programa hoje no Canal Viva é uma doce lembrança para nós e uma grande novidade para meus filhos.

Além da contudência e extravagância de sua genialidade nas interpretações, os textos de seus personagens eram muito bem construídos, tinham a capacidade de síntese dos tempos em que foram construídos. Chico dialogava com seu tempo de forma criativa e foi por isso que todo seu arsenal de personalidades desembocou num professor.

Durante um tempo, foi esquecido, abandonado e chegou a fazer participações em Malhação. Depois, tentou-se fazer programas de fim de ano com ele, mas os tempos já haviam mudado demais para suportar a inteligência do mestre e os programas, no conjunto, acabavam meio medíocres.


Como Charles Chaplin, que ao fim da vida viu seu trabalho perder força para as novas demandas do novo tempo, Chico Anísio (que não obteve reconhecimento mundial como inglês, talvez pelo simples fato de ser brasileiro, e portante estar na periferia do mundo) envelheceu vendo a mediocridade imperar, vendo os falsos-talentos ocuparem lugares importantes na televisão, vendo a falsa moralidade tomar conta da produção artística e da teledramaturgia. Viu o humor reduzir-se a piadas de mal gosto e pouca inteligência. Teve que ver ainda, coitado, o alvorecer de uma Stand Up Comedy mal feita, copiada de tipos sem-graça americanos que passariam vergonha diante de Chico Anísio> Nem parece que nós tínhamos aqui o maior gênio da comédia de um homem só. Deve ter-lhe doído ver o esforço dos filhos, sem ter, no entanto, uma quinta parte de seu talento.

Morre esse grande professor, artista, essa referência, esse grande homem.

Mando daqui meu abraço, como atriz dada às comédias, como mulher que cresceu vendo seus personagens, que na infância eu os acreditava verdadeiros e como professora que com um salário "Ó" aprendeu muito com ele e espera conseguir ensinar uma ínfima parte do que seu talento nos ensinou.

Descanse em Paz, professor!!!