sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A BELEZA DE ONDE VIEMOS - na Beleza Bahia

Faz tempo que publiquei na coluna BELEZAS INUSITADAS da Beleza Bahia, mas só agora tive tempo de trazer o texto pra cá.

O texto está no portal da Revista, acesse clicando aqui e vá até a página 88. Tem a revista nas bancas, também, caso vocês gostem de ler no papel.

Espero que gostem:

A BELEZA DE ONDE VIEMOS



Quando eu era adolescente eu era bem magra, os cabelos bem cheios e cacheados, praticamente um cogumelo. As pernas finas como uma seriema. Tinha a voz estridente, falava muito e muito alto. Falava rápido e andava devagar. Ouvia constantemente: “Fala baixo, menina” ou “Anda rápido, menina”. Mas, no fundo meus maiores problemas eram meu grande nariz avantajado e minha boquinha pequena e afinada. Na frente do espelho, eu puxava e repuxava o nariz pra tudo que era canto, tentando fazê-lo ficar menor, mas nada. E sonhava com aquilo que me tornaria a pessoa mais feliz do mundo: uma cirurgia plástica no nariz. Eu só esperava ter idade – e dinheiro – para realizar este sonho. A idade viria, eu estava certa. Já a grana...
Os anos foram passando, eu saí de casa aos 15 anos e fui me encontrando em situações que me revelavam muito mais do que o espelho. No colégio interno onde fiz o ensino médio, se encontravam dezenas de adolescentes de diferentes partes do estado da Bahia (Colégio Técnico da Fundação José Carvalho, em Pojuca) e a profusão de sotaques e prosódias me levou a uma forte descoberta: Sim! Eu tinha sotaque! É, porque até ali, eu achava que todo mundo tinha sotaque, menos os conquistenses. Claro, eu nunca tinha confrontado meu sotaque com outros. Primeira descoberta de traços de identidade, sem, ainda ter noção dessa experiência.
Mais adiante, assisti a uma matéria de jornal na TV que tratava de traços físicos de identidade. Uma moça, com um nariz grande como o meu, dizia, feliz, ao repórter: “Eu sei que meu nariz é grande, se comparado à maioria, mas isso não me incomoda. Esse nariz me diz das minhas origens, me diz dos povos dos quais herdei traços e comportamentos. Mexer nesse nariz, seria negar minhas origens.” Claro que não foi exatamente assim, porque eu não seria louca de decorar uma fala na TV por tantos anos. E claro que ela não estava fazendo um tratado contra cirurgias plásticas. Mas trago este exemplo, porque neste momento, lembro-me de ter me levantado, ido ao espelho e pela primeira vez em aproximadamente 18 anos, ter sido simpática com meu nariz.



Isso porque eu já desconfiava que a família do meu pai apresentava fortes traços árabes. Na verdade desconfiei porque muita gente perguntava e julgava evidentes os traços em meu rosto. Já aos 20 anos, em São Paulo trabalhando numa grande rede hoteleira praticamente todos os hóspedes europeus perguntavam de onde eu era, sempre esperando um lugar do Oriente Médio e se espantavam (e até se decepcionavam) quando eu dizia: Vitória da Conquista, interior da Bahia.
Hoje, muitos anos depois, estou de volta ao lugar onde nasci. De volta para ficar (eu acho) e jamais poderei traduzir em palavras o que é voltar para o lugar ao qual pertenço. Indo ao Distrito de origem da família de meu pai (José Gonçalves, conhecido como Guigó – eu nunca tinha visto um lugar ter apelido) eu vejo tantos, mas tantos traços parecidos com o meu. Tantos narizes grandes e bocas pequenas e – pasmem – sinto uma grande alegria nestes que outrora eram meu grande problema estético. Alegria, porque me identifico com aquelas pessoas, porque me encontro com minhas origens, meus princípios e entendo tanto de mim mesma. Fico curiosa porque gostaria de pesquisar sobre a influência árabe neste pedaço de Caatinga no Sudoeste da Bahia. E entendo que era preciso eu viver essas quase quatro décadas para entender e viver este sentimento.
Ouço as canções de Elomar Figueira Melo, a voz encantadora de Xangai e meu coração se alegra, porque sei que suas canções, letras e melodias falam da terra de onde vim. E, depois de tantos anos cruzando o Brasil, trocando de endereço, profissão, cidades e estados, volto para o lugar onde vivi boa parte de minha infância. Percorro as mesmas ruas e a memória me aquece.
O lugar de onde viemos, quer seja o lugar físico ou o lugar simbólico (a família, os amigos, as associações, escola, igreja, coral) é um importante e belo pedaço da gente que às vezes abandonamos ou, pelo menos, negligenciamos. Um retorno delicado às nossas origens pode ser aquilo que nos falta em momentos onde temos aquela sensação de estarmos perdidos, soltos no universo, sem eira nem beira, sem perspectiva. Talvez esteja na volta ao passado, a reconstrução segura do nosso futuro.
Reencontrar pessoas que apresentem traços físicos semelhantes aos nossos, muitos ou poucos (um sorriso largo, uma perna bem torneada, uma sobrancelha farta) pode ser um acolhimento silencioso que o outro nem sabe que está fazendo, mas que estando à nossa frente, lembrando traquinagens do passado, ou perguntando por aquele fulano de quem nunca mais se teve notícia, nos diz afetuosamente: “Você não está sozinho”.
Agora, se neste encontro com familiares e amigos pintar a sessão álbum de fotos, se prepare porque o riso e as lágrimas vão ter presença garantida. Fotos que a gente jamais se lembraria de ter tirado. Pessoas ao nosso lado que a gente se quer lembrava que existiam. Lugares que nem existem mais. Árvores que viraram prédios. Praças que viraram estacionamentos. Está tudo lá, vivo na fotografia, registrado na memória, preso a um passado idílico, um passado perpétuo que nos configura e nos fortalece.
Garanto que voltar ao espelho depois de reencontrar os seus, será uma experiência reveladora. E se você fez uma plástica ou outra, não se sinta menosprezado por este artigo, pois não estou necessariamente falando de traços físicos (envelhecemos, e isso não deixa de ser uma mudança). Há lago neste espelho que agora te olha, que bisturi nenhum tira e que só os seus olhos poderão reconhecer. Não precisa dizer pra mim, nem pra ninguém da alegria de se sentir parte de uma família, de um grupo de amigos, de um passado coletivo. Basta valorizar o sorriso que com certeza virá te visitar assim que você colocar a cabeça no travesseiro, nesta noite que talvez seja a primeira dessa sua nova fase, desse seu novo futuro. E por falar nisso, feliz 2012 para todos nós. Que ele seja assim, simples, inusitado e belo, serenamente belo.

4 comentários:

  1. O OLHAR DE YOLANDA

    Entre eu e você
    Existe um enorme abismo
    Que precisa ser vencido
    Com diálogos e confissões.

    Quando estou só
    Sinto falta do seu olhar,
    Quando estamos juntos
    Sinto falta de nos comunicarmos.

    Mantenho ardentemente a esperança
    De um dia tê-la em meus braços.
    Conectar-me com seu corpo
    Em tortuosas ondas de rádio.

    A Timidez uniu-se ao Coma
    Gerando tempestades cerebrais,
    Impedindo a nossa aproximação.

    Quero gritar ao mundo que a amo,
    Mas como posso fazê-lo
    Se os seus olhos insistem me negar?
    Terei que fazer meu papel de bobo
    Ou atuar como um desentendido?

    De repente...
    A sirene do intervalo tocou
    Despertando-me de um sonho distante.
    Tão distante, mas próximo do teu olhar
    ...Yolanda.


    *Este poema é parte integrante do livro (O Anjo e a Tempestade) do escritor Agamenon Troyan.

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