quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A BELEZA DE UMA FAXINA na Revista Beleza Bahia

Gentes.
Depois de uma demoradinha, saiu um novo exemplar da Revista Beleza Bahia, com meus dois textos. Um está aqui e o outro no http://www.futeboldeartista.blogspot.com/ .

Quem quiser dar uma olhada na revista toda, aqui está o link: BELEZA BAHIA Nas páginas 46 e 47 (FUTEBOL) e 52 e 53 (BELEZAS INUSITADAS).

Abaixo, o texto da coluna Belezas Inusitadas:

Vamos arrumar a casa?
Adriana Amorim

Quem nunca passou o dia, ou parte dele se dedicando àquela faxina, quer seja ela da casa, do quarto, do guarda-roupa, da gaveta, da bolsa, ou mesmo da alma?

É uma atividade cotidiana, do ponto de vista de sua natureza e não necessariamente do ponto de vista de sua periodicidade. A gente faz ‘aquela’ faxina quando está precisando mesmo, quando não fazê-la é quase como segurar o curso da vida. E, confesse para si mesmo, a gente sabe exatamente quando esse momento chegou.

Eu digo que não tem nada mais gostoso do que uma manhã de sábado de faxina. Pode até ser outro dia, outro horário, mas sempre será como se fosse o sábado dedicado à limpeza. A gente abre as cortinas – da casa, do quarto, da vida – bota aquela música para ouvir, dançar, sorrir ou chorar, cantar muito, muito alto para que todos os vizinhos se lembrem de que não moram sozinhos no deserto e que a pessoa do lado tem sentimentos e uma bela voz (ou não) que expresse estes sentimentos.

Pode ser Edson Cordeiro, Luiz Caldas, Silvano Sales, Gonzagão, Mozart, Chico Buarque. Pode ser Marisa Monte, Margareth Menezes, Laura Pausini, Tetê Spínola, e por que não, Xuxa. Ilariê, pagode, arrocha, forró, funk. Pode até ser uma ópera ou aquela MPB politicamente engajada. O que vale é tocar no coração e alimentar a faxina, quer seja pelo prazer e pelo entusiasmo, quer seja pela evidente necessidade de tirar o que não serve mais daquele lugar onde jaz.

Já estamos cansados de saber que material encalhado prende energia, a vida para, não anda pra frente e a gente fica meio perdido, sem saber porque as coisas pararam. Já sabemos o bem que faz à alma um espanador de pó e um pano de chão com balde de desinfetante. Sabemos das maravilhas de trocar os móveis de lugar. E para os bem-nascido que estão arrepiados só de pensar na possibilidade de fazer uma limpezinha na própria casa (função da empregada), eu garanto: Não há nada melhor do que a sensação de que a gente pode limpar a própria sujeira, arrumar a própria casa, ser dono da própria vida. Digo isso, porque quem acredita que mexer com a sujeira da casa é serviço sujo para gente desprovida de conforto que tem que limpar a sujeira alheia para ganhar o próprio pão, acaba por se afastar do que a vida tem de mais concreto. Acaba se privando de viver todo e cada momento dessa vida, incluindo aí seus bônus e seus ônus.
Ninguém morre por arrumar a própria cama. Não se perde uma unha por lavar a louça do café uma vez na vida, ou mesmo dar aquela lavada no banheiro. A única coisa que você vai encontrar ao realizar estas atividades são os rastros de sua própria existência. Por que negá-los? Por que sempre delegar a outro a limpeza e ordem de sua vida – incluindo a necessidade de se livrar dos dejetos – a outra pessoa, como se isso fosse a nossa pior parte, a mais imunda, a mais abominável? Em muitos países, eu soube, não há o costume de se ter empregados em casa. No Canadá, por exemplo, me contou uma amiga que morou em Vancouver, só os muito ricos têm empregados. As pessoas normais dedicam-se a limpar suas casas, cuidar de seus próprios jardins, recolher seu próprio lixo, sem que isso seja demérito nenhum. Faz parte da vida. E é tão bom ter saúde e disposição para fazer isso.

Mas, voltando à beleza de uma bela faxina, para todos, de qualquer classe social, nível de escolaridade e faixa salarial, existe na realização da faxina uma possibilidade de encontro com essa nossa natureza humana. E quanto mais a gente se livra da sujeira, do excesso, do encalhado, mais a gente gera espaço na casa, no quarto, na vida. Quanto mais a gente joga coisa fora, mais a gente se renova. Vazio, a gente não vai ficar jamais. Liberando espaço, novas coisas vêm. Coisas boas, se a energia é boa. Gente boa vem. Coisas boas acontecem. E de repente, a gente se pega mais leve, mais feliz, mais otimista. O que era problema, agora se revela como parte da vida, percalços pelos quais a gente sabe que vai passar, mas se revolta quando finalmente eles chegam.



E na delícia de um fim de faxina – tem que terminar antes que o cansaço faça você desistir, embolar tudo e atochar num canto – sempre haverá um belo banho para nos restabelecermos. Ainda ao som da música companheira, você vai encontrar, eu tenho certeza, lá no fundo do espelho que te olha, um belo sorriso que te diz: Vale a pena estar aqui. A vida é bela. A vida é inusitadamente bela.
 

Um comentário:

  1. Querida,

    Que texto bom de ler! Parabéns, bonita. Olha, preciso lhe dizer: das coisas que mais chamam minha atenção aqui na França, uma delas, sem dúvida, é o valor dado à vida doméstica. Ela não recebe um olhar depreciativo, como às vezes acontece na nossa cercania. Pelo contrário, tem um significado muito bonito. Aqui se envolver com a casa é um ganho pessoal e, portanto, nada de serviçais.

    Beijocas,
    Sarinha

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