quarta-feira, 6 de julho de 2011

A Beleza de um adeus

Vida boa, de gente simples
Não há dor maior que a morte de um pai.

Por mais que eu soubesse que esse era o caminho. Por mais que eu compreenda que ele libertou-se da dor e encontra-se mais feliz e calmo e me olha com seu olhar suave e sereno, para quem fica, a dor é indescritível.
E por mais que eu tenha me afastado de blogs, faces, e todos estes espaços que eu tanto gosto mas que nenhuma falta me fizeram nestas duas últimas semanas, sinto-me impulsinada a escrever sobre esta experiêcia, por mais inusitado e equivocado que possa parecer. Quero e respeito esse querer.



Experiência. Influência árabe e muita união entre irmãos
Quero porque vi, mesmo na minha dor profunda, um lindo espetáculo de adeus.

Vi a linda partida de um homem bravo, homem de roça e capital que como todo bom nordestino dividiu sua existência entre o idílico Guigó (distrito meio zona rural, meio bairro de Conquista) e a selva de São Paulo.

Vi um homem sofrer nos corredores de um hospital público.
Vi a falta que lhe fazia o amigo cigarro, que o empurrou para este doloroso fim.

Guigó: terra boa de gente guerreira
Vi a dignidade de um pai que tira a máscara de oxigênio e beija a filha em seu leito de morte, quando as palavras não são mais possíveis.
Vivi a dor da notícia fatídica.
Vivi a força de uma família.
Vivi a força do amor.
Vi a nobreza da infância e da velhice em momentos-limite.
Vi um lugarejo moblizado para dar adeus ao amigo Ático. Vi um domingo ensolarado em pleno inverno. Vi tantos e tantos trabalhadores rurais vindo a pé de suas roças para a cerimônia do adeus.



Terra seca e forte

Vi um ritual católico cantado, sereno e acolhedor. Ouvi o canto das carpideiras.

Experimentei o almoço coletivo na praça.

Vivi o silêncio do cortejo na estrada.

Vi a saudade da cachorra sob o caixão, dentro da igreja e ao longo da caminhada de adeus.

Flores da caatinga
Andei por uma estrada de chão seco, com plantações de ambos os lados. Vi o gado solene, acompanhar o ritual andando aos passos dos  homens. Aquele olhar melancólico de vacas e bezerros que nos olhavam como se tentassem nos explicar aquilo que não tem explicação.

Meu grande pai ia na frente, deitado, soberano.

A natureza o recebia.

Um joguinho para sorrir
Num cemitério grande, aberto, alto, com uma linda vista para o campo, vi um ritual comovente de homens revezando a pá e a enxada , devolvendo meu pai à terra. Nenhuma palavra se dizia. Homens daquela terra, muitos com mais de setenta anos, firmemente participavam do rito da terra. Ao fim, as mulheres colocavam suas flores coloridas e cheirosas. Excessivamente cheirosas. Um cheiro que ainda hoje me assalta repentinamente. O cheiro de morte não passa.

A cachorra Sandy, companheira de domingos, foi a última a deixar o Campo Santo. A vida real é piegas...

Domingo era seu dia favorito. Ele não nos deixou ir no São João, apenas pediu às filhas: "Eu quero que vocês venham no domingo!" Obedecemos, pai.

Não fosse o consolo da beleza daquele momento e a certeza que ele nos dava de que era um momento bom, um momento feliz, de equilíbrio, de encontro entre a vida e a morte, talvez eu não estivesse tão forte. Não fosse essa certeza, a de que tal espetáculo só pode dizer respeito a um momento sereno e feliz, talvez eu sentisse ainda mais dor do que sinto.

Sinto que se não narrasse essa experiência, ela não se completaria em mim. Virei Benjaminiana convicta. Preciso dessa narrativa para entender o que vai em mim. Sinto-me mais leve, ao mesmo tempo em que mais plena.

Teorias filosóficas não me apetecem neste momento. Respeito o doutorado e todas as experiências pelas quais passei na vida, mas elas pareciam perder o sentido naquelas terras do Guigó, onde parecia que eu dava de cara com as respostas que busco tão desesperadamente nas páginas dos livros.

Sei que vou voltar a eles e que eles voltarão a fazer sentido pra mim. Não há como fugir de onde já cheguei. Não há como negar tudo que li. Sei que vou voltar à minha vida cotidiana, aos problemas prosaicos e tolos que agoram parecem até engraçados. Mas, espero conservar certa sabedoria que a morte de alguém tão querido parece nos oferecer. Espero continuar sem pressa, serena e mais afeita às relações do que às aquisições. Nada me conforta mais do que saber que dei todo carinho que pude ao meu pai e que isso era tudo o que havia para ser dado e tudo o que ele esperava receber. Sei que ele fez sua passagem de forma serena, porque era um homem bom e desapegado. Sei que ele me escuta e está feliz porque volto à vida, aos poucos.

De volta ao meu blog tão querido, aos meus amigos, leitores, seguidores, críticos... Viver é estranho, mas é um lindo espetáculo, que como o futebol, assistimos e fazemos, fazemos e assistimos.

A propósito, em homenagem ao grande corintiano que partiu, o Timão deu 5 X 0 no Arqui-rival São Paulo no dia de seu adeus. O velho Ático ainda deu uma passadinha pelo estádio. Ah, velho danado...

Eu te amo, meu pai. Fica bem! Fica em paz!


Escrevi outro texto quando soube de seu estado de saúde. Para ler Clique aqui. 



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11 comentários:

  1. Adriana, já perdi minha mãe e, como não bastou, faz 3 meses, um irmão. Sei toda a dor que sente e compartilho do seu sofrimento. Escrevi também um texto sobre meu irmão, postei lá uma nota no face, e tanto quanto a própria dor, acho esse desejo tão legítimo. É mais uma maneira de expressr e viver a dor, de criar sentidos, de se acostumar e de encontrar belezas. Seu texto é muito comovente. Fica em paz. Grande abraço. andréa Rabelo

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  2. Dri...
    Senti muito pela família que tanto gosto, deixo meu passear sertanejo por esse chão do Guigó e todo carinho dos Amorim que também me deram. E um grande abraço.

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  3. Dri, estive aí. Sei bem como é encarar a fatalidade da notícia e estar no meio de tantas sensações estranhas, novas, inusitadas. Esses mistérios me espantam e me renovam também. De tudo, para mim foi muito importante encontrar o carinho da família e dos amigos queridos. Portanto, fica aqui meu abraço mais apertado e cheio de admiração babona pela mulher incrível que você é. Força e muita luz para vocês todos!

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  4. Força e fé na mulher-filha-guerreira que ele produziu, criou e nos presenteou...Estamos aqui!

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  5. Amigos, obrigada. Que bom ter amigo sno doutorado, porque no meio do Guigó eu achei doutorado a coisa mais besta do mundo! Que bom que por meio dele a gente se conheceu. Cheguei a dizer a Cleise que não tinha condições de fazer o trabalho porque Derrida não era exatamente a melhor leitura num momento desses. Senti-me tão ignorante no Guigó. Aqueles olhos cansados, aquele povo tão real me dizendo coisas que não li em livro nenhum. Que coisa doida a filosofia faz com a gente. Mas, como disse no post, nada do que vivi foi em vão e não nego nenhuma das minhas escolhas. Tive medo de como poderia parcer escrever sobre a estética do enterro do meu pai, poderia parecer tosco, insensível. Que bom que recebi, através do diálogo, o carinho de vcs que tanto admiro e preciso. Um beijo sertanejo.

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  6. Andréa, Yoshi, Paulinha, Marcelo, meus queridos amigos. Obrigada pessoal e particularmente por cada palavra de carinho e pelo abraço que verdadeiramente sinto de vocês. De coração.

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  7. Oh, Dri, que lindo texto! É a imagem tranquila e sorridente dele que me vem agora aos olhos... Preocupado, atencioso, acolhedor... Oh, saudades, de um tio tão afetuoso e simples, comprando nossa eterna lembrança com Prestígios e Chokitos da Solange(que hj, sei lá por que crescemos, perderam aquele gosto)Ainda em SP, passei em frente ao prédio, numa pseudo-homenagem calada no olhar... Gosto de pensar que ele cumpriu sua missão, cm dizem, e que foi, acima de tudo, um pai amoroso e exemplar.
    Ficam aqui as lembraças e um beijo doce em seu coração.

    Márcia Betânia

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  8. Adriana,

    Que forte! Estou chorando.
    Um abraço muito apertado e muita sabedoria,
    Sarah

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  9. Marcinha e Sarah, obrigada pela cumplicidade. No fundo, no fundo, é coisa de gente, né, coisa de todos nós. Abraços.

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  10. Obrigada por me deixar ver um pouquinho do que você viu e viveu. Foi especial, pra mim, fazer parte do seu momento de retorno ao Guigó...

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