sábado, 27 de agosto de 2011

Vi o luar e Quero Protocolar





Acabo de chegar do espetáculo PROTOCOLO LUNAR, do Grupo OS IMAGINÁRIOS.


O luar, ah o luar!

Um ótimo lugar para recomeçar depois de mais de dois meses afastada das plateias de teatro. Um ótimo lugar para ver e comentar, com todo o carinho e respeito que tenho pelo grupo e seus integrantes. Com toda a emoção e alegria com que saio do espetáculo.

Uma poesia em cena, com imagens encantadoras, com uma atmosfera sutil e tranquila, lugar para ser leve, alegre e feliz.

Tenho o privilégio de ter assistido aos três espetáculos dessa gentil e bela companhia. O primeiro deles, Ciranda de Estórias me encantou pelo apuro estético e pelo vigor artístico-pedagógico que inaugurava na escola (corrijam-me se eu estiver errada) o trabalho com teatro de animação. O segundo, já um espetáculo mais maduro e tecnicamente mais elaborado - para mim o melhor do grupo - uma versão cruel de tão poética da obra de Samuel Beckett, Fragmentos.

Mas, voltemos ao luar, ou melhor, ao PROTOCOLO LUNAR:

A profundidade do belo palco do Martim Gonçalves ajuda a criar aquele universo imenso onde nos perdemos ao som da sanfona de Zé de Rocha e das virtuosas cordas de Tales Braches. Diretores musicais e compositores das canções executadas ao vivo. Belíssimo começo, meninos. A música é, para mim, uma das estrelas do espetáculo. E falar de estrelas num espetáculo como este não é pouca coisa.

O grande trunfo do espetáculo é, sem dúvida, a capacidade de produzir ali no palco, na sua inteireza e consistência, na sua fisicalidade e presença, a poesia, coisa assim tão tênue, tão volátil (eu adoro esse nome) tão etérea.

A presença dos bonecos (confeccionados por parte do elenco) e o belíssimo cenário - da própria Sônia Rangel que também assina texto e direção - junto com a trilha, como já se disse e com a bela luz de Pedro Dutra que não exagera nem na luz nem no escuro - é responsável direta por essa materialização da poesia. Poesia encarnada nas imagens. A força dos bonecos é tamanha que, para mim, o espetáculo começa de fato quando eles entram em cena.

A imponência dos belíssimos adereços já vai nos transportando pelo imaginário da proposta. Os sete livros da velha Senhora são verdadeiras obras de arte autônomas dentro daquele universo. No entanto, a cena inicial com as atrizes (na minha modesta opinião, é importante sempre lembrar) parece destoar um pouco do restante do espetáculo. A interpretação ainda está bastante didática, talvez pelo pouco tempo de espetáculo em cartaz, já que esta é sua primeira temporada. Não sei se é a expectativa da entrada dos bonecos, mas acho que a cena com a Menina e a Senhora fica devendo ao que o cenário propõe. Sinto que as atrizes ainda não estão introsadas (que comentário de futebol este, meu deus!) e que as falas saem ainda sem brilho, decoradas, educadas e disciplinadas demais para uma peça cujo universo é oposto a essa organização.

A narrativa verbal parece querer ser dona da história, sem saber ela que toda a história já está lindamente narrada nas imagens e na presença e interação dos bonecos. O excesso de falas, ainda que falas poéticas na maioria das vezes, faz com que as cenas sem os bonecos sejam um pouco cansativas.
Ainda em relação às atrizes, senti que elas mereciam uma maquiagem mais próxima do universo da montagem, mais ousada, mais inspiradora. O tempo todo eu sentia falta de uma maquiagem poética por assim dizer. O figurino da Menina (interpretada por Juliana de Sá) também fica muito a dever à visualidade da peça. Se o da Senhora (interpretada por Sônia Rangel) dialoga um pouco mais com a proposta do cenário e adereços, sobretudo o seu sobretudo (me permitam a brincadeira infame) o de Juliana passa longe de qualquer apuro na criação. Parece, a meu ver, que foi aquele último detalhe que não deu pra cuidar antes da estreia da temporada. Se for, que este seja um ponto importante para a nova temporada (que com certeza vai haver). Se não for, desculpem esta espectadora ousada e intrometida por demais.

Outro aspecto que a meu ver atrapalha a visualidade é justamente o que para o cenário é uma vantagem, que é a profundidade do palco. Atuando quase que o tempo todo na direita-alta (mais para o fundo do palco) os bonceos acabam por se perder na imensidão do palco. E ainda mais em se trantando de Martim Gonçalves, com uma plateia tão grande. Talvez seja o desafio de numa mesma peça ter que lidar com as especificidades do teatro de imagens e do teatro de bonecos - dos quais eu só entendo como espectadora mesmo. Para mim parece que a profundidade do palco favorece o primeiro e prejudica o segundo.

Eu tenho algumas restrições com peças que acabam-mas-não-acabam. Fico sempre achando que o segundo final tem que ser muito grandioso para merecer a pegadinha. Apesar de achar que em termos cênicos, o primeiro final era suficiente, a alegria e o encantamento da canção que encerra de fato o espetáculo fazem com que eu perdoe os dois finais. Terminei a peça, feliz.

Não posso deixar de comentar sobre a delícia de ver no palco as belas palavras de Sônia Rangel, que tive o prazer de conhecer em seus dois livros CASA TEMPO e OLHO DESARMADO, em suas aulas de mestrado e doutorado, como sua colega nos ofício da docência na mesma e querida Escola de Teatro da UFBA e mais especialmente, no universo criativo, quando seu primeiro livro serviu de inspiração para a construçao do espetáculo DORALINAS E MARIAS do qual fiz parte do elenco em 2009.


A poesia da presença da criança, da alegria, da imagem, da música, do imaginário, dos conceitos, da beleza de existir, tudo isso que caracteriza Sônia como artista, professora e pessoa, estão generosamente colocados sobre o palco e servido a nós, com toda humanidade e bondade que pode ser possível a um ser humano no ato de se doar, ato este chamado fazer teatro. Colocar-se como atriz, dividindo palco com seus alunos e colegas de pesquisa revela a generosidade e sabedoria dessa bruxa-artista que promove nesta linda história de amor sobre o palco, um lindo encontro da plateia com a beleza e a poesia.


Obrigada, Sônia Rangel. Obrigada, meninos IMAGINÁRIOS: Adiel Alves, Cláudio dos Anjos, Heyder Moura, Isis Fraga, Jeane Sánchez, Juliana de Sà, Ricardo Steward, Ruth Marinho, Vera Pessoa, Yarassarath Lyra.


FICHA TÉCNICA - Eu sempre roubo de outro blog.

DRAMATURGIA E DIREÇÃO: Sonia Rangel
CO-DIREÇÃO: Rita Rocha
ASSISTENTE DE DIREÇÃO: Yohanna Marie Assumpção
ELENCO:
Adiel Alves, Claudio dos Anjos, Heyder Moura, Isis Fraga, Jeane Sánchez, Juliana de Sá, Ricardo Stewart, Ruth Marinho, Sonia Rangel, Vera Pessoa, Yarasarrath Lyra
PARTICIPAÇÃO ESPECIAL NO POEMA GRAVADO: Harildo Dêda
DIREÇÃO E PARTICIPAÇÃO MUSICAL: Thales Branche (violão) e Zé de Rocha (acordeon)
PREPARAÇÃO CORPORAL: Saulo Moreira
CENÁRIO E FIGURINO: Sonia Rangel
MONTAGEM CENÁRIO: Zuarte Júnior e Agnaldo Queiroz
CRIAÇÃO E REALIZAÇÃO DOS BONECOS: Jeane Sánchez, Juliana de Sá, Rita Rocha, Sonia Rangel, Wilson Júnior, Yarasarrath Lyra
CRIAÇÃO DE LUZ: Pedro Dultra
OPERAÇÃO DE LUZ: Camila Guimarães
FILMAGENS PARA A CENA: Mariana Dornelas
COMPUTAÇÃO GRÁFICA: Leandro Sena
OPERAÇÃO DE SOM E DE IMAGEM: Móises Victório
MAQUIAGEM: Renata Cardoso
FOTOGRAFIA: Isabel Gouvêa
CARPINTARIA: Ademir França
METALURGIA: Lico Santana
PROGRAMAÇÃO VISUAL: Solisluna
PRODUÇÃO: Sonia Rangel
ASSISTENTE DE PRODUÇÃO: Yarasarrath Lyra com colaboração do Grupo Os Imaginários

4 comentários:

  1. Adriana, fico muito feliz com os teus comentários, afinal, como diz Sônia, esse grupo é um rio que flui e mesmo estando no seu terceiro espetáculo, é como se fosse o primeiro, ou seja, estamos aprendendo, começando e precisando dessa troca.

    Espero que tu possas assistir de novo na próxima temporada (tomara que ela a venha!), pois amanhã não seremos nem os mesmos homens, nem o espetáculo será o mesmo rio.

    E leva o Alam e o João!

    Beijos!

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  2. Obrigada pela visita e pelo comentário heraclitiano, Thales. É realmente muito bom ver o trabalho desse grupo e sua rotatividade, ver que alunos da graduação e da pós têm esse lugar de pesquisa e criação artística tão bem coordenado por Sônia. E, é sempre bom demais te ver tocando, né... Abraço a todos.

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  3. Gostaria de falar bonito, dizer coisas difíceis, mas apenas lhe agradeço pelo belo texto. E como é bom ter o olhar de fora de alguém que conhece Os Imaginários. Espero que na próxima temporada, você sai mais encantada pelo espetáculo.

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  4. Juli, querida, lindo você faz em cima do palco, se doando, trabalhando, se desafiando, dando a cara a tapa. Ficar num teclado de computador falando o que quer e o que não quer é fácil. Quero ver é subir lá e se atirar às feras. Disso eu sei, flor, com toda pureza d'alma, porque ocupo os dois lugares e sei a diferença qeu é e sei também da importância dos dois lugares, ainda que se viva sem o comentário do teatro, mas sem o teatro, jamais... É lindo ver você lá fazendo teatro, construindo, aprendendo, ensinando... Obrigada pelo depoimento doce e sincero (imagino). Na próxima temporada estarei lá, colada, e mais uma vez, com certeza, encantada. Abraços, querida. Ah, Thales, vou levar Alam e João nem que seja amarrados.

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